Poetas em tempos de penúria
1ª fase [2020-2022]
A Lei foi aprovada pelo congresso de modo praticamente unânime e sancionada pelo Governo Federal como resposta a movimentos civis, articulados com gestores e parlamentares de todos os espectros políticos. A organização de artistas, profissionais da cultura, ativistas e gestores culturais foi realizada por meio de conferências virtuais, participação em redes sociais (Facebook e Instagram) e troca de mensagens instantâneas (WhatsApp e Telegram).
Além de situar a Lei Aldir Blanc no contexto histórico das políticas públicas para a cultura e as artes no Brasil, a pesquisa indagou afetos, motivações e anseios que despertam o interesse pelo engajamento coletivo, considerando novas formas de exercício da cidadania que emergem em um contexto marcado por fatores como: enfraquecimento das instituições democráticas, avanço do conservadorismo e do autoritarismo e desinteresse de grande parte dos cidadãos por questões político-partidárias.
As metodologias utilizadas foram: pesquisa etnográfica, realizada virtualmente, por meio de entrevistas em profundidade, coleta e análise de dados secundários e observação em ambiente digital. A hipótese que norteou a investigação foi inspirada na noção de alteridade extraída da última obra de Foucault (2011) – um desejo radical de transformação de si e da sociedade –, em diálogo com o conceito de iminência proposto por Canclini (2012): a abertura ao desconhecido e o exercício do dissenso.
Como abordar a Lei Aldir Blanc para além da análise de relatórios técnicos sobre adesões de municípios, repasses de verbas e números de beneficiários dos programas? As conversas foram o caminho natural encontrado para tentarmos nos aproximar da profusão de relatos, sentidos e afetos que contribuíram para a emergência do maior programa federal de fomento à cultura e as artes do Brasil.
O distanciamento social utilizado como medida de contenção da pandemia de COVID-19 impediu que a investigação seguisse o curso de uma pesquisa de campo, com entrevistas presenciais. Este problema era comum ao objeto de estudo. Afinal, a articulação em favor da lei só foi possível pelo uso de tecnologias digitais para encontros, compartilhamento de informações, difusão de materiais educativos, treinamentos e outras ações. Computadores, tablets e celulares também foram o suporte de muitas obras contempladas pelo programa. Era, portanto, nesse ambiente virtual que estavam constantemente imersos os atores envolvidos no processo.
Sem abandonar a necessidade de ouvir pessoas das diversas regiões do Brasil, e tendo em mente as particularidades territoriais e das diversas culturas, foi principalmente o conceito de rede social que norteou a metodologia de pesquisa. Após um primeiro contato com o gestor e ativista cultural Célio Turino, um dos principais envolvidos na formulação da lei, foram mapeados atores e instituições que participaram ativamente do processo: pontos de cultura, coletivos e fóruns de linguagens artísticas, associações de produtores teatrais, fóruns de gestores estaduais e municipais, entre outros exemplos.
A partir das pessoas citadas por atores já entrevistados, foi elaborada uma lista com potenciais contatos para novas entrevistas, agrupados pelas instituições a que são ligados. Em seguida, foram enviados convites por e-mail ou aplicativos de trocas de mensagem (WhatsApp e Messenger). Nem todos os contatos responderam ou tiveram disponibilidade para a entrevista. Mas aqueles que aceitaram conversar contribuíram com relatos e pontos de vista diversos sobre o tema. O roteiro das conversas variou de acordo com os participantes, mas os principais pontos abordados foram: a participação nos movimentos sociais que engendraram a Lei, os fatores que facilitaram ou dificultaram sua criação e implementação, a participação da sociedade civil no processo, a importância do Sistema Nacional de Cultura, fontes de financiamento público e privado e impressões sobre as instituições culturais.
Em um segundo momento, entramos em contato também com beneficiários ou potenciais beneficiários da lei, além de profissionais técnicos que atuam na produção de espetáculos de artes cênicas, shows musicais e exposições de artes visuais. Neste caso, a conversa deu prioridade a aspectos da cultura e dos modos de vida dos entrevistados, sua produção artística, as dificuldades enfrentadas no acesso à Lei Aldir Blanc e os benefícios trazidos pelo programa, além das relações com as instituições artísticas e culturais. Foram realizadas dezoito entrevistas em profundidade (individuais ou em pequenos grupos), com 23 pessoas. As conversas, transcritas e editadas, podem ser acessadas abaixo. Também estão disponíveis dados e estatísticas sobre o tema.
Entrevistas

Chris Ramirez
Gestora e produtora cultural, atua na cultura desde 1991. A partir de 2003 atuou na implementação das políticas públicas como o Sistema Nacional e Plano Nacional de Cultura. No Ministério da Cultura, coordenou as últimas eleições para composição Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC) 2015-2017.

Luísa Cela
Secretária executiva da cultura do Governo do Estado do Ceará. Entre os anos de 2014 e 2016 assumiu a Diretoria de Direitos Humanos da Rede Cuca (Centro de Cultura, Juventude, Esporte e Ciência). No período seguinte desempenhou a função de Diretora de Cidadania Cultural do Instituto Dragão do Mar.

Elaine Dutra
É capoeirista, coreira de Tambor de Crioula e foi a primeira mulher a presidir a Federação Maranhense de Capoeira. Em 2019, foi eleita presidente do Conselho Estadual de Cultura com mandato até 2021. Também faz parte dos Coletivos Deliberativos da Salvaguarda da Capoeira e do Bumba-meu-boi/ IPHAN-MA. Foi conselheira de Cultura de São Luís e conselheira de Cultura do Maranhão no segmento Patrimônio Cultural.

Guti Fraga, Ester Moreira, Luciana Bezerra e Tatiana Delfina (Grupo Nós do Morro)

Urânia Munzanzu
É diretora, roteirista, poetisa e antropóloga. Também é ativista do movimento Mulheres Negras e fundadora da Frente Marginal da Arte Negra. Produzidos e dirigidos no Benin, seus trabalhos em projetos audiovisuais investigam as conexões estéticas e políticas entre Brasil, África e sua diáspora nas Américas.

Célio Turino
Historiador, escritor e gestor de políticas públicas. Exerceu diversas funções públicas, dentre elas Secretário de Cultura e Turismo em Campinas, Diretor de Promoções Esportivas Lazer e Recreação em São Paulo e Secretário da Cidadania Cultural no Ministério da Cultura do Brasil (2004/10), onde formulou e implantou o programa CULTURA VIVA com 3.500 Pontos de Cultura e mais de 8 milhões de pessoas beneficiadas.

Gabriel Portela
Secretário Municipal Adjunto de Cultura de Belo Horizonte. Gestor cultural e administrador, foi pesquisador em políticas culturais pela Universidade Federal de Santa Catarina. Em 2014, foi assessor especial da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. No Ministério da Cultura, chefiou a equipe da assessoria especial do Ministro, e, em 2016, assumiu a coordenação de novos negócios da Spcine.

Chris Ramirez
Gestora e produtora cultural, atua na cultura desde 1991. A partir de 2003 atuou na implementação das políticas públicas como o Sistema Nacional e Plano Nacional de Cultura. No Ministério da Cultura, coordenou as últimas eleições para composição Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC) 2015-2017.

Luísa Cela
Secretária executiva da cultura do Governo do Estado do Ceará. Entre os anos de 2014 e 2016 assumiu a Diretoria de Direitos Humanos da Rede Cuca (Centro de Cultura, Juventude, Esporte e Ciência). No período seguinte desempenhou a função de Diretora de Cidadania Cultural do Instituto Dragão do Mar.

Elaine Dutra
É capoeirista, coreira de Tambor de Crioula e foi a primeira mulher a presidir a Federação Maranhense de Capoeira. Em 2019, foi eleita presidente do Conselho Estadual de Cultura com mandato até 2021. Também faz parte dos Coletivos Deliberativos da Salvaguarda da Capoeira e do Bumba-meu-boi/ IPHAN-MA. Foi conselheira de Cultura de São Luís e conselheira de Cultura do Maranhão no segmento Patrimônio Cultural.

Guti Fraga, Ester Moreira, Luciana Bezerra e Tatiana Delfina (Grupo Nós do Morro)

Urânia Munzanzu
É diretora, roteirista, poetisa e antropóloga. Também é ativista do movimento Mulheres Negras e fundadora da Frente Marginal da Arte Negra. Produzidos e dirigidos no Benin, seus trabalhos em projetos audiovisuais investigam as conexões estéticas e políticas entre Brasil, África e sua diáspora nas Américas.

Célio Turino
Historiador, escritor e gestor de políticas públicas. Exerceu diversas funções públicas, dentre elas Secretário de Cultura e Turismo em Campinas, Diretor de Promoções Esportivas Lazer e Recreação em São Paulo e Secretário da Cidadania Cultural no Ministério da Cultura do Brasil (2004/10), onde formulou e implantou o programa CULTURA VIVA com 3.500 Pontos de Cultura e mais de 8 milhões de pessoas beneficiadas.

Gabriel Portela
Secretário Municipal Adjunto de Cultura de Belo Horizonte. Gestor cultural e administrador, foi pesquisador em políticas culturais pela Universidade Federal de Santa Catarina. Em 2014, foi assessor especial da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. No Ministério da Cultura, chefiou a equipe da assessoria especial do Ministro, e, em 2016, assumiu a coordenação de novos negócios da Spcine.
Além das entrevistas, foram analisados dados quantitativos que ajudam a compreender a Lei Aldir Blanc no contexto das políticas públicas para a cultura e as artes no Brasil, dimensionando seu alcance e comparando com outras ações do Governo Federal.
Os repasses da Lei Aldir Blanc foram realizados por meio do Fundo Nacional de Cultura (FNC), que faz parte do Sistema Federal de Cultura brasileiro. Em 2022, o Fundo recebeu 51,5% do orçamento destinado ao Sistema (Gráfico 1).
Os repasses da Lei Aldir Blanc foram realizados por meio do Fundo Nacional de Cultura (FNC), que faz parte do Sistema Federal de Cultura brasileiro. Em 2022, o Fundo recebeu 51,5% do orçamento destinado ao Sistema.
Gráfico 1. Distribuição do orçamento entre os órgãos do Sistema Federal de Cultura, em 2022
Fonte: Elaborado pela autora a partir de dados disponíveis em https://www.portaltransparencia.gov.br
Embora receba a maior fatia dos recursos federais direcionados à cultura, entre 2000 e 2020, a média do orçamento executado pelo FNC foi significativamente baixa. O saldo contábil acumulado do fundo foi destinado à Lei Aldir Blanc.
Gráfico 2. Orçamento e valor executado do Fundo Nacional de Cultura, de 2000 a 2020
Fonte: Elaborado pela autora a partir de dados disponíveis em https://www1.siop.planejamento.gov.br/painelorcamento
Os repasses do FNC a Estados e Municípios também vinham caindo significativamente, o que foi pontualmente revertido pela Lei Aldir Blanc.
Gráfico 3. Repasses Federais a Municípios, Estados e ao Distrito Federal, de 2000 a 2020
Fonte: Elaborado pela autora a partir de dados disponíveis em https://www1.siop.planejamento.gov.br/painelorcamento
Com isso, a Lei Aldir Blanc também reativou o debate sobre o Sistema Nacional de Cultura (SNC), implementado em 2012, mas com baixa adesão de Estados e Municípios.
Gráfico 4. Adesões ao Sistema Nacional de Cultura, de 2000 a 2021
Fonte: Elaborado pela autora a partir de dados disponíveis em: http://ver.snc.cultura.gov.br
Entre 2012 e 2021, 51% dos Municípios brasileiros aderiram ao SNC. Já em 2020, 75% dos Municípios tiveram planos aprovados para receber recursos da Lei Aldir Blanc. No entanto, houve desigualdades nos repasses: as cidades de maior porte foram as que mais tiveram planos aprovados.
Gráfico 5. Porcentagem de municípios com planos para a Lei Aldir Blanc aprovados, por número de habitantes
Fonte: Elaborado pela autora a partir de dados disponíveis em http://portalsnc.cultura.gov.br/indicadorescultura
Gráfico 6. Porcentagem de municípios com planos da Lei Aldir Blanc aprovados por Unidades Federativas Brasileiras
Fonte: Elaborado pela autora a partir de dados disponíveis em http://portalsnc.cultura.gov.br/indicadorescultura
Também foram observadas diferenças regionais na execução dos planos para recebimento dos recursos da Lei Aldir Blanc.
Gráfico 7. Porcentagem de municípios com planos para a Lei Aldir Blanc aprovados, por região geográfica brasileira
Fonte: Elaborado pela autora a partir de dados disponíveis em http://portalsnc.cultura.gov.br/indicadorescultura
Gráfico 8. Porcentagem de execução de recursos da Lei Aldir Blanc aprovados, por Unidades Federativas brasileiras
Fonte: Elaborado pela autora a partir de dados disponíveis em http://portalsnc.cultura.gov.br/indicadorescultura
Essas diferenças podem ser comparadas com as desigualdades estruturais nas políticas públicas a que as populações brasileiras têm acesso.
Gráfico 9. Porcentagem de municípios brasileiros com estrutura na área cultural, em 2018, por número de habitantes
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de População e Indicadores Sociais, Pesquisa de Informações. Básicas Municipais 2018. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/saude/10586-pesquisa-de-informacoes-basicas-municipais.html
Os equipamentos culturais tradicionais (como bibliotecas públicas, museus, teatros, centros culturais, arquivos públicos, centros de artesanatos e pontos de cultura) também estão concentrados nos municípios de grande porte.