Canclini na Cátedra
Entrevista com Mariana Aymerich. Realizada presencialmente, no escritório do Festival Internacional Cervantino, Cidade do México (México), no dia 15 de março de 2024
Sharine: Como eu escrevi em meu e-mail, sou de São Paulo, estou na Universidade de São Paulo com uma bolsa para fazer esta pesquisa com o professor Néstor García Canclini, aqui do México. Mas também sou funcionária do Ministério da Cultura no Brasil. Sou funcionária de carreira, quer dizer, não tenho um cargo político, tive por três anos, como coordenadora, mas fiz um concurso e obtive meu emprego. Eu trabalho com as políticas culturais e conheço um pouco como funcionam as coisas no governo. No Brasil, nós tivemos, em 2020, uma lei… Não sei se ouviu falar sobre a Lei Aldir Blanc… Foi uma Lei Emergencial para a cultura e as artes, enquanto estávamos na pandemia. Mas estávamos em um governo conservador.
Mariana: Do Bolsonaro, não?
Sharine: Sim. Eu tenho alguns dados: o orçamento para a cultura estava caindo muito no Brasil desde 2013, 2014. Tenho uma comparação com o México para que você veja. O orçamento federal é mais alto no México que no Brasil. Mas a Lei Aldir Blanc foi criada por uma mobilização social, uma mobilização popular. O orçamento foi descentralizado. O dinheiro saía do governo federal e ia para os estados e os municípios. Claro, o governo federal assinou porque era necessário, mas foi uma mobilização da sociedade civil que conseguiu obter essa lei. Com isso, tivemos um aumento do orçamento para a cultura e, agora, com Lula no governo, aumentou um pouco mais.
Mariana: Que bom.
Sharine: Eu comecei a trabalhar com o professor García Canclini em 2020. No ano passado, eu recebi uma bolsa para continuar a pesquisa. Na primeira parte da minha pesquisa, eu estudei os movimentos sociais que conseguiram obter essa lei, mesmo contra a orientação do governo. Mas, agora, me interessam também as consequências de tudo isso que aconteceu nas políticas brasileiras, em comparação com o que está sendo feito aqui no México. Então, gostaria de conhecer um pouco o que fazem na Secretaria, como trabalham com as políticas culturais…
Mariana: Bom, a Secretaria de Cultura, a partir desta administração, estabeleceu eixos transversais muito importantes que são, principalmente, inclusão e diversidade. A cultura passará dos palcos para a cultura que se trabalha na terra para que tenhamos muito maior contato com as comunidades. Acho que outra política cultural muito importante é dar visibilidade às comunidades, aos povos indígenas, aos artesãos, que, afinal, são parte da identidade deste país. Além desses programas, outra prioridade para a Secretaria de Cultura é que a cultura seja um direito, um direito humano. Não fomos nós que decidimos, foi também a UNESCO. Foi com base nesses eixos de trabalho muito importantes que se criaram programas muito identitários para o país, como o Cultura Comunitária. É um programa em que crianças e jovens trabalham três horas diariamente, de segundas a sextas, com as linguagens artísticas, que são: literatura, fotografia, dança, teatro, música, circo, etc. Mas essas comunidades se identificam porque estão em territórios muito vulneráveis, não somente de pobreza, como também de insegurança. O que aconteceu, e somos testemunhas disso, foi que as crianças e os jovens têm uma alternativa muito mais global e muito mais centrada ou muito mais orgânica nas artes, na cultura do que se estivessem nas ruas ou pertencessem a algum grupo de narcotráfico ou todos esses problemas sociais que temos no país e que são bem conhecidos. O programa tem crescido muitíssimo, estamos em mais de quatrocentos municípios. São cerca de quinze mil crianças em todo o país, que trabalham todos os dias com oficineiros, com professores, professoras que despertam com seu talento essa semente. Chamam-se Semilleros Creativos. Isso é muito importante. É um programa que a secretária começou quando era secretária de cultura em Guerrero. É um estado muito atingido pela insegurança. Ela começou lá com a Orquesta Renacimiento e foi replicando esse modelo exitoso de trabalho em outras comunidades e em outros municípios quando assumiu a responsabilidade de ser secretária federal de cultura. Esse é um dos projetos mais importantes desta administração porque estamos trabalhando com as comunidades, com as crianças, com o futuro deste país. Foram criadas orquestras muito grandes, foram criadas companhias de teatro. De fato, dizemos que o Semilleros Creativos é a maior companhia do mundo porque está em todo o país. São quinze mil crianças trabalhando todos os dias nas artes cênicas. A cada ano, os mesmos semilleros escolhem cerca de 1500 ou mil participantes para o que será a apresentação anual do trabalho, que é feita no Auditório Nacional. Juntam-se à orquestra Carlos Chávez, que é a Orquestra de Fomento Musical da Coordenação de Fomento, da Secretaria de Cultura. Juntam-se a esses Semilleros Creativos de teatro, de dança, de circo e fazem um grande evento no Auditório Nacional. Você imagina o que significa para essas crianças de comunidades muito distantes viajar para a Cidade do México? Há muitos que nem sequer haviam saído de seus povos. Viajar para a Cidade do México e, além disso, apresentar-se no Auditório Nacional, que é o cenário emblemático mais importante do país, onde se apresentam os artistas mais importantes do mundo… Para essas crianças, é um alicerce muito importante. Esse é um programa muito forte, que vem ganhando força. E, neste ano, estamos trabalhando no Semilleros Internacionales. O que quero dizer com isso? Que os Semilleros também estão sendo criados em outras partes do mundo. Nos Estados Unidos, recentemente, abrimos um Semillero em Los Ángeles, onde a comunidade mexicana é muito grande. Junto com as autoridades de relações exteriores, e também o Consulado do México nos Estados Unidos, em Los Ángeles, em particular, abriu-se um Semillero Creativo. Então, isso vai se estendendo. Há outros planos de abri-los também em várias comunidades dos Estados Unidos, onde há uma comunidade muito forte de mexicanos. Isso vai continuar crescendo porque é um programa muito nobre e é um programa que nos permite fazer um trabalho social importante nessas comunidades, principalmente artístico e cultural para crianças. Além disso, é um programa que ajuda as famílias porque os pais estão trabalhando e têm a preocupação sobre onde estão e se seus filhos estão sozinhos em casa. Pois eles têm a confiança de que estão em Semillero, cuidados pelos professores, pelas professoras, que não estão nas ruas, que não estão enfrentando todas essas vicissitudes que, às vezes, acontecem nessas comunidades. Bom, esse é um deles, é um projeto muito importante. O outro, do qual gosto muito, chama-se Original. É um programa que surgiu dos direitos coletivos das artesãs e dos artesãos, dos artistas artesãos de todo o país. Sempre havia marcas internacionais muito importantes, que se apropriavam dos desenhos dos artesãos para estampá-los em peças de roupas caríssimas. Mas não davam nenhum crédito às comunidades artesanais de onde haviam surgido esses desenhos. Por isso, a defesa dos direitos coletivos chama-se Original. Original é um movimento porque já não é um projeto nem um evento de um dia. Claro que culmina em um evento em novembro, mas é um movimento nacional com todos os artesãos do país, em que as próprias comunidades ou os próprios coletivos das comunidades de artesanato do país se organizam. Há um representante de cada um desses coletivos no conselho do Original. São eles que definem as necessidades das comunidades e, também, levantam a voz para dizer do que precisam. O que a Secretaria de Cultura faz é uma espécie de mecanismo de acompanhamento para essas comunidades que, ao longo do ano, têm capacitações, reúnem-se entre elas para, até mesmo, participar de eventos artesanais em todo o mundo, que estão na moda, digamos, de alguma maneira, em muitas partes do mundo, justamente por essa defesa dos direitos coletivos e do reconhecimento dos povos originários. Bom, trabalha-se durante todo o ano e, em novembro, é feito o evento Original, de que participam mais de mil artesãos de todo o país. É o próprio conselho que escolhe. Há uma área de venda muito grande no Complexo Cultural Los Pinos. Não sei se conhece, mas teria que ir conhecê-lo, principalmente nos finais de semana, quando há muitíssima gente. Era lá que viviam os presidentes e, agora, é o maior complexo cultural da cidade, com uma atividade artística impressionante. Mas lá em Los Pinos é feito o Original e os artesãos têm um espaço para a venda. Vendem suas peças, que são muito bonitas. Têm espaços dentro dessas jornadas de trabalho de intercâmbio. Trabalhamos com economia, trabalhamos com mulheres, trabalhamos com todas essas instituições que ajudam a fortalecer o trabalho das comunidades e que dão a elas assessorias e capacitações. Além disso, há sete passarelas… Os artesãos desfilam com as peças que desenharam e, também, com modelos profissionais. A verdade é que é um evento que, creio, nesses escassos três anos em que foi realizado, está muito consolidado. É um evento que, seguramente, terá comunidade, comunidade e continuidade, porque é um evento que dá visibilidade a todos os artesãos e a todas as comunidades artesanais do país. A verdade é que é um evento lindo. Claro, há outro projeto muito importante. É o Mi patrimonio no se vende, nacional e, principalmente, internacional. É um projeto ou um programa? É que já não sei se pode ser chamado de programa porque já é um movimento internacional muito importante. Foram recuperadas mais de quatorze mil peças pré-hispânicas e arqueológicas em todo o mundo. Por meio desses anos de experiências do Mi patrimonio no se vende, temos trabalhado muito em parceria, por exemplo, com os Carabineros Italia. Eles são especialistas na recuperação arqueológica e pré-hispânica e têm devolvido. A Itália foi o primeiro país a devolver um lote de quinhentas peças pré-hispânicas. Agora já conseguimos quase quatorze mil peças. É um chamado aos países, aos indivíduos e às empresas privadas, às casas de leilão, dizendo que o patrimônio é das comunidades, que o patrimônio é dos países. É um exemplo que temos dado internacionalmente. Os países dizem: “queremos saber o que o México está fazendo com isso”. Foi criado um comitê muito importante do Mi patrimonio no se vende, do qual participam todas as autoridades envolvidas: a Guarda Nacional, a Marinha, SEDENA, a Secretaria de Segurança Pública, Migração, alfândegas, o Instituto Nacional de Antropologia e História, a Secretaria de Relações Exteriores. É como uma cadeia em que vai se detectando onde há peças pré-hispânicas. Os países, também nossas embaixadas em outros países, têm tido a experiência de que os indivíduos, museus ou casas de leilão devolvem as peças. É roubo. É, literalmente, roubo. Então, também gosto muito porque, além disso, como diz a Secretária, “meu patrimônio não se vende, se ama e se defende”. Estamos muito felizes de ter recuperado todas essas peças… Vou lhe dizer agora o número total de peças que foram recuperadas, que são muitas. São quatorze mil. A última peça que foi recuperada, foi em Portugal, uma casa de leilões.
Sharine: Que bonita.
Mariana: Iam colocar essa peça à venda, mas, como fizemos muito eco dessa iniciativa, a própria pessoa da embaixada foi à casa de leilões dizer: “vocês vão vender uma peça que é do México”. “Não, mas como?” “Pois sim, porque vejam… mostrem-me a permissão de exportação ou o documento de exportação”. Obviamente não tinham. Então, temos uma notícia: essa peça seguramente foi roubada. A própria casa de leilão a devolveu à embaixada e, por isso, temos essa foto. Como essa peça, há várias. De fato, agora há uma exposição no Instituto Matías Romero, da Secretaria de Relações Exteriores. Havia uma exposição de algumas peças. E, no Museu do Templo Mayor, está a maior exposição. Pois lá está a maioria das peças recuperadas deste governo. A verdade é que é muito emocionante quando nos avisam que estão devolvendo alguma das peças. Temos feito eco, por exemplo, em países como Colômbia e até mesmo o Brasil. Ontem, estava justamente em uma reunião com o G20. Agora o Brasil está na presidência e contávamos sobre essa iniciativa. Interessa-lhes muito conhecer mais sobre ela, porque têm exatamente o mesmo problema. São mais de 13.500 peças recuperadas de países como Estados Unidos, Canadá, Dinamarca, Itália. Como lhe dizia, são várias… Agora, Portugal também, Países Baixos, Suécia, até mesma a França, que tem uma legislação complicada nesse sentido. Há indivíduos que devolveram peças para a embaixada da França. É um pouco dos programas e dos projetos com que trabalha a Secretaria de Cultura de maneira transversal a todas as áreas do governo, que nos ajudam a dar mais visibilidade a esses projetos. É um pouco o que posso falar. Além disso, é uma secretaria muito grande. São muitas diretorias que trabalham para a Secretaria de Cultura, mas acho que houve um avanço muito forte, principalmente nesses projetos dos quais lhe falo. Antes não se trabalhava neles. Colocam o México em uma posição muito importante, principalmente de boas práticas. O fato de ter realizado também o MONDIACULT em 2022 é muito interessante porque o colocou outra vez no centro da cultura do mundo. Agora será em Barcelona o documento do ODS [Objetivos de Desenvolvimento Sustentável] assinado para que a cultura seja um ODS global, internacional, para que isso não se perca… Sugiro que vá ao Complexo Cultural Los Pinos. Na Casa Miguel Alemán, no primeiro piso, inauguramos este ano o salão MONDIACULT e, lá, você verá todos os dados, todas as sessões prévias, a quantidade de países que participaram, 190 ministérios vieram, creio que 120 ministros. Isso é, na verdade, muito complexo. É um salão de exposição, onde estão, em todas as paredes, todos os dados do MONDIACULT, que também é um exemplo de boas práticas.
Sharine: As informações estão na internet também?
Mariana: Sim, estão na internet. Estamos terminando a página, a memória mundial, porque há uma quantidade de dados impressionantes. Mas o objetivo geral foi refletir sobre as políticas culturais em um contexto atual. Além disso, eu me lembro muito bem que começava a Guerra da Ucrânia. Então, obviamente, tudo estava muito tenso, nos diziam que certamente não iríamos conseguir as assinaturas e a verdade é que se trabalhou muito para que houvesse consultas em cada uma das regiões. O trabalho prévio e durante os dias do MONDIACULT, que foram três dias muito intensos… Você também pode encontrar várias informações do YouTube, também na página da UNESCO… Discutiu-se políticas culturais, a cultura para o desenvolvimento sustentável, que também é um tema muito importante, o patrimônio de cada um dos países, que agora no centro da discussão. Em todas as mesas que vi havia o tema do patrimônio, que é muito importante, e a economia criativa, que também é o futuro das culturas do mundo, a salvaguarda do patrimônio e a salvaguarda dos povos indígenas. No México há 68 línguas e tem-se trabalhado muito para que as que estavam a ponto de se extinguir não se extinguissem. Além disso, no MONDIACULT participaram ministérios, organizações intergovernamentais… Foram três dias muito intensos de trabalho, com sessões temáticas com as Ongs, com mais de duas mil pessoas assistindo. MONDIACULT foi um divisor de águas nos temas dos Ministérios da Cultura. Foram assinados vários documentos de intenção. Por unanimidade, ao final, votou-se que a cultura tem que ser um ODS na ONU. Tomara que possa ser feito antes da famosa Agenda 2030, que já está muito estabelecida. E lhe digo que, em todas as mesas internacionais, não há uma mesa onde não se fale do MONDIACULT. Até mesmo nessas duas reuniões que ocorreram esses dias, do G20, todos os países mencionaram o MONDIACULT no México e o que vem no próximo ano. É um objetivo muito específico que a cultura esteja no centro das nações. Acho que esses projetos e o que foi feito no MONDIACULT dão uma visão muito global do que a Secretaria de Cultura está fazendo.
Sharine: Obrigada. Essa é uma mudança radical nas políticas culturais mexicanas… Eu estava estudando, no Brasil, sobre o FONCA [Fundo Nacional para a Cultura e as Artes], o CONACULTA [Conselho Nacional para a Cultura e as Artes]. O que você pode falar sobre essa mudança?
Mariana: Agora não é FONCA, mas Sistema Creación.
Sharine: Sim, mudou de nome.
Mariana: Claro que era um fundo importante para as comunidades, mas sempre eram as mesmas comunidades. Então, o fato de ter se convertido em um sistema que dá atenção a todas as atividades artísticas do país dá um panorama muito claro do que está acontecendo. Abriu-se também a muitas comunidades, estados. Era curioso, de verdade, eram sempre os mesmos que participavam. Todos os que ganhavam a bolsa já haviam ganhado em ocasiões anteriores. Então, agora, ver essa diversidade das comunidades, dos que estão participando e dos que têm uma bolsa para seu desenvolvimento criativo é fundamental. Eu estou há mais de vinte anos trabalhado no setor cultural e, sim, a mudança é notória. Estamos mais no território, temos que estar mais em contato com as comunidades. É mandatório. Não é se queremos. É uma obrigação que temos que fazer. A inclusão, a diversidade nos projetos culturais também é para ser reconhecida. Tomara que as próximas administrações continuem com essas políticas.
Sharine: No Brasil, e acho que aqui também, há um problema da precariedade do trabalho cultural. Os artistas não têm como se aposentar e coisas assim. O que estão fazendo sobre isso?
Mariana: Efetivamente. Além disso, em países tão grandes, como são o Brasil e o México, obviamente há um problema muito sério de reconhecimento do trabalho criativo. Nós temos lançado vários editais que atendem às comunidades artísticas independentes. Por exemplo, foi feito um edital para teatros independentes, em que é dada a oportunidade de criar, de produzir uma estreia, algo que tenham guardado porque não têm como produzir. Esse edital tem sido feito anualmente. O que buscamos é que sejam projetos transversais. Por exemplo, esses editais também têm a ver com o projeto Naturaleza y Cultura, Chapultepec, que é um projeto muito grande. Não sei se estará aqui na próxima semana. Esperamos que possa terminar este ano. Abarca todo o bosque, muitas das áreas que também não eram conhecidas ou que estavam abandonadas. Há uma área na quarta seção de Chapultepec, que é PARCUR [Parque de Cultura Urbana em Chapultepec]. Antes era uma espécie de parque aquático que deixaram morrer. De fato, até dizem que deixaram morrer lá os pobres animais. Já estava abandonado. Agora, o que eram as piscinas imensas, onde estavam as baleias, são pistas de skate. Há espaço para que os jovens façam grafite. É um espaço muito interessante. Chama-se PARCUR. Também está em Chapultepec. Claro, para percorrê-lo é necessário um dia completo porque é muito grande. Também está sendo construída a cinemateca, que estará no projeto Chapultepec. Está lá o Complexo Cultural Los Pinos. Na verdade, é muito interessante o que se conseguiu nesses anos, porque as pessoas têm o que fazer no final de semana. Podem ir comprar produtos orgânicos de todo o país. Os produtores vêm vendê-los diretamente lá e podem ser comprados itens deliciosos, muito bons, da cultura alimentar. Você pode comer e ver uma obra de teatro, um concerto, uma exposição. Ou seja, acho que é um complexo muito importante e, de lá, saem muitos desses editais que têm turnês pela República e terminam ou começam lotando o Complexo Cultural Los Pinos. Então, eu lhe digo: trata-se de abarcar o máximo possível de todo o território nacional e este projeto Chapultepec, Naturaleza y Cultura combina isso: resgatar a natureza desta cidade, pois é um parque imenso, alguns milhares de hectares, combinado com atividades culturais para a comunidade. É importantíssimo.
Sharine: No Brasil, como eu disse, a mobilização social para a Lei Aldir Blanc foi muito importante. Como se dá aqui a relação entre a sociedade civil e as políticas culturais?
Mariana: Um pouco do que lhe dizia é como é mandatório para nós estar em contato com as comunidades. Cada uma das diretorias tem feito isso. Sou testemunha. Estão em contato permanente com as comunidades de teatro, de dança, de música, de povos originários. É assim que trabalhamos, escutando. Tem sido uma administração que escuta as necessidades da comunidade. Nossa vida é tomada pela agenda porque atendemos as pessoas que querem se reunir conosco. Saimos para ver o que está acontecendo não somente na Cidade do México, mas em outros estados. Acho que isso é muito valioso para enriquecer o trabalho e as políticas culturais da Secretaria. Também há um trabalho permanente com as comunidades organizadas. Há muitos grupos artísticos que se organizam para fazer as demandas… O Instituto Nacional de Belas Artes, o Museu, o Instituto Nacional de Antropologia e História, o Sistema, que era o FONCA. Cada um de nós tem essa tarefa e essa atribuição de estar perto da sociedade, perto das comunidades, para atender justamente a essas necessidades. Seria bom se houvesse muito mais orçamento para atender tudo o que demanda. Mas, bem, tentamos…
Sharine: Nunca há muito orçamento para a cultura…
Mariana: Não haveria dinheiro suficiente…
Sharine: Não… Nem aqui, nem no Brasil, nem em qualquer país. Como são as políticas internacionais, especialmente em relação ao Brasil?
Mariana: Agora estamos em festa porque é o ano México Brasil. Há muitas atividades que foram planejadas junto com a Secretaria de Relações Exteriores. Temos uma relação cultural muito estreita com o embaixador e com o adido cultural e, bom, o que me diz respeito é que estou a cargo do Festival Cervantino, de Assuntos Internacionais. Temos agora o Brasil como país convidado, na edição número 52 do festival. Acabamos de anunciar há algumas semanas e estamos trabalhando com eles. Veja que, para nós, era uma tarefa conhecer melhor a cultura do Brasil. Claro, sabemos que o Brasil existe. Claro, conhecemos muitos dos artistas do Brasil. Sei, por exemplo, que a Ministra [Margareth] Menezes se apresentou em 1998 no festival Cervantino.
Sharine: Eu não sabia. Que bom.
Mariana: Claro que conhecemos vários artistas, Caetano Veloso… Enfim, muitos artistas: Deborah Colker, o Grupo Corpo… Muitos artistas muito importantes do Brasil vieram ao México. Mas eu e a equipe estamos convencidos de que há muito do Brasil que não temos visto. Me interessa muitíssimo e disse ao senhor embaixador que nos mostre o que está acontecendo atualmente. O que está acontecendo na comunidade artística do Brasil? Agora que você me falou sobre a lei, vou procurar mais informações porque estou certa de que esse mesmo movimento foi provocado pelos artistas… E a arte urbana do Brasil, os grafites nas ruas, a música que vocês têm… Realmente sabemos sobre o samba. Obviamente, sabemos da capoeira, sabemos do carnaval. Mas há muitas coisas do Brasil que me encantariam. Sempre foi um país tão distante para nós e tão grande, que sinto que é muito interiorizado. O que queremos é que exploda um pouco para fora e que nos traga expressões artísticas novas, que não conhecemos no México: teatro, dança, música, circo. Nas artes visuais, haverá uma exposição agora, em junho, do Sebastião Salgado, que será inaugurada no Museu de Antropologia. Tenho a certeza de que vai causar alvoroço porque sabemos que é muito bom. Mas sentimos falta de vê-lo aqui. É o mesmo que irá acontecer com a presença do Brasil como país convidado, de honra, no Cervantino. Há várias atividades. Há residências artísticas, há exposição de arquivos históricos, há fórum de negócios, há traduções e coedições de livros. Há, obviamente, coproduções audiovisuais. Mas isso está na cultura. Deve haver oitocentas coisas mais de todas as áreas, de todos os âmbitos.
Sharine: Muito obrigada, Mariana!
Mariana: Não, ao contrário, eu que agradeço!