Canclini na Cátedra

Entrevista com Pedro Vidal. Realizada presencialmente, na Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro (RJ), no dia 19 de outubro de 2023

Sharine: Obrigada, Pedro, pela participação. Em um primeiro momento, na pesquisa, tentei entender como foi a articulação da Lei Aldir Blanc. Agora, estou tentando entender o que será daqui para frente, do ponto de vista dos movimentos sociais e dos pesquisadores. Não sabemos exatamente o que vai acontecer porque não há como prever… Mas penso que você poderia começar falando sobre sua trajetória profissional, pessoal.

Pedro: Meu nome é Pedro Vidal. Eu sou pintor, profissionalmente. Atualmente, ocupo a presidência do Conselho Municipal de Políticas Culturais de Teresina [PI]. É um cargo da sociedade civil, eleito pelo meu setorial. Na época da adesão ao Sistema Nacional de Cultura, em 2015, na época da adesão de Teresina, na verdade, eu não estava no município e, também, ainda não pesquisava política cultural. É bem recente essa minha trajetória acadêmica. Entrei no mestrado em 2021, como aluno especial, e comecei a pesquisar. Entrei, na realidade, com uma pesquisa sobre política da educação, PROUNI [Programa Universidade para Todos]. Mas, por conta da minha atuação cultural, foi sugerido por uma série de professores que eu trocasse o tema. Foi feito, obviamente, todo um retrabalho. Mudei de tema no meio do curso. Mas, de certa forma, foi interessante para mim. Foi muito bom porque eu já estava pesquisando as políticas culturais do Piauí. Como disse, sou pintor e já fui selecionado pelo SIEC [Sistema de Incentivo Estadual à Cultura do Piauí], para fazer minha exposição, com recurso público estadual. Para concorrer ao edital, comecei a estudar, ir atrás. As pessoas começaram a me perguntar a respeito do SIEC. Eu respondia e isso criou um ciclo, digamos, virtuoso: quanto mais eu respondia, mais me perguntavam, quanto mais me perguntavam, mais eu tinha que estudar. Quando eu troquei de tema, na verdade, facilitou minha vida. Eu juntei o lado acadêmico com o lado profissional. Eu já estava estudando as políticas culturais. Como eu disse, Teresina fez a adesão ao Sistema Nacional em 2015 e, em 2016, fez a lei do Sistema Municipal de Cultura. É uma lei bastante longa, que traz todos os elementos do Sistema. Traz o Sistema de Informações, traz o Conselho, traz o Fundo. Toda a estrutura básica do Sistema Municipal está nessa lei de 2016, inclusive com a mudança do conselho. Antes, nosso conselho era Conselho Municipal de Cultura. Ele foi extinto e passou a ser Conselho Municipal de Política Cultural, com um formato contemporâneo. O fundo também já existia. Teresina tem uma Fundação Municipal de Cultura, Monsenhor Chaves, mas até hoje não tem plano. Na verdade, a nossa gestão assumiu em 28 de fevereiro deste ano, de 2023. Fomos eleitos, na verdade, no final do ano passado. Só que, por uma série de compromissos e, até mesmo, por uma falta de interesse da gestão municipal, só fomos empossados em fevereiro. Fez-se um edital de eleição e, em março, foi feita a diretoria: Presidente, Vice-Presidente e Secretário. Quando assumimos, até colocamos uma meta, que foi: “em seis meses, doze anos”. É muito ambicioso. Por que seis meses? Como disse, assumimos em fevereiro e março. Antes, a Conferência Municipal de Cultura estava marcada para setembro, de 6 a 7 de setembro. Só que o Conselho Nacional postergou a data e mudamos para 26 e 27 de outubro [de 2023]. São seis meses por causa disso. Mas por que os doze anos? Teresina tem uma lei chamada A. Tito Filho, que é nossa lei de fomento municipal. Ela está parada desde 2012. Por isso, assumimos o compromisso de resgatar uma série de políticas que estão ou defasadas ou bloqueadas, que não estão sendo executadas, para deixar algum sistema calibrado.

Sharine: Quando você diz que está parado quer dizer que não tem nada acontecendo?

Pedro: Não tem editais… Entra um recurso muito pequeno no fundo. Em 2012, Teresina teve um prefeito que resolveu fazer o maior edital da história. É uma coisa muito enfática: o maior recurso da história…

Sharine: Da história de Teresina…

Pedro: Da história de Teresina, claro. Foi um milhão de reais. Só que o fundo tinha quatrocentos e poucos mil reais. Então, não tinha fundo no fundo. Ele não teve como honrar os compromissos que foram empenhados. Mudaram a lei, em 2019, trocando o que tinha fixado em 5% na arrecadação do ISS e IPTU para “até 5%”. Essa pequena troca de palavras faz com que qualquer valor corresponda. Então, passou a ser algo como R$100 mil por ano. É muito pouco mesmo. Isso vai para pagar os projetos que estão pendentes. Atualmente, eu não tive acesso aos projetos, apesar de ter solicitado. Mas o responsável técnico da área, da A. Tito Filho, diz que faltam três projetos para serem quitados. Imagina: em 2012, os músicos produziam CDs. Atualmente, não temos nem onde colocar um CD. Não tem como pagar essa transferência de recursos para executar. Tem que alinhar com a PGM, a Procuradoria Geral do Município e, até, com o TCE [Tribunal de Contas Estadual]. Estamos lutando em várias frentes. É um desejo muito antigo nosso, de realização. Daí surge a Lei Paulo Gustavo também. Vínhamos acompanhando. Tivemos uma série de questões também, de troca de secretários. Tanto o Secretário de Finanças quanto o Presidente da Fundação Municipal de Cultura foram trocados e isso causou estresse institucional. Acordos que tínhamos feito, sobre como iríamos solucionar esse problema, deram para trás. Tivemos que voltar e fazer todo um convencimento. Por exemplo, uma das campanhas que empreendemos foi publicar o Mapa Cultural, utilizando o modelo nacional. Você deve saber que o Mapa Cultural é gratuito, a implementação. Fomos lá e solicitamos para o presidente. O presidente aquiesceu e passou para a empresa de dados, a empresa de tecnologia de dados, PRODATER. Era o presidente da PRODATER que iria fazer o projeto. Contudo, mudou o presidente da PRODATER e entrou também o novo presidente da Fundação Municipal de Cultura. Eu aproveitei essa janela de oportunidade e, rapidamente, conversamos para poder fazer o Mapa Cultural. O Mapa Cultural foi feito. O site foi adaptado, chegou a ser publicado. Porém, por uma questão de recursos financeiros (a PRODATER é uma empresa também de administração indireta, não faz parte da administração direta), o site foi suspenso. Chegamos a ter o Mapa Cultural e, depois, foi retirado, o que foi bastante embaraçoso. Mas, em termos de Lei Paulo Gustavo, o que fizemos? Quando houve essa troca de presidente da Fundação… O presidente anterior não estava muito disposto a fazer as escutas, tinha interesses outros. É um empresário do entretenimento, das festas, de tudo, e não tem o traquejo da cultura em si, nem das políticas públicas. Ele é um empresário. Ele foi retirado da administração por ter utilizado muito mais recursos do que era previsto. Esse novo presidente também não é da cultura. É um vereador licenciado, de base comunitária. Ele tem se mostrado muito esforçado em tentar honrar os compromissos. A fundação não tem lastros, não tem recursos. Está sempre tentando captar recursos para pagar os compromissos anteriores, inclusive os deixados pelo presidente anterior. Ele foi bastante aberto à questão das oitivas da Lei Paulo Gustavo. A única discordância que posso apontar é que tínhamos dito a ele que não seria necessário contratar uma consultoria externa. Não foi ouvido. Mas essa consultoria externa, junto com o conselho, tem dado escutas. Nós fizemos quatro escutas, sendo uma na zona rural de Teresina, e fizemos uma consulta. A consulta nada mais é que um formulário online. Com base nessas informações, junto com a consultoria, elaboramos um plano de ação, que foi aprovado sem qualquer alteração pelo Ministério da Cultura. Mas o Conselho se retirou desse circuito, até mesmo por uma demanda das conselheiras do audiovisual para não serem impedidas de concorrer nos editais. Imagine que, se Teresina está há doze anos sem ter editais voltados para a cultura, é natural que as conselheiras do audiovisual, sendo artistas, queiram concorrer.

Sharine: Mas pode, não é?

Pedro: Caso você não seja envolvido com uma das três fases, que são: elaboração do edital, avaliação dos projetos e julgamento de recursos. Então, fomos até o limite, que é a questão da elaboração do plano de ação. A elaboração dos editais ficou a cargo da comissão mesmo, com o auxílio da consultoria. Também passou pela PGM, pelo Prefeito. Atendeu a um trâmite que demorou bem mais do que gostaríamos. A recomendação do Conselho era de que os editais fossem lançados no início de agosto, se possível no dia 1º de agosto, com inscrições a partir do dia 16 de agosto, que é aniversário de Teresina. Assim, além de ter o factoide de marketing, de dizer “é aniversário de Teresina, estamos anunciando o edital, estão abertas as inscrições”, os agentes culturais teriam uma quinzena entre a publicação e o começo das inscrições. Seria o tempo para fazer as oficinas formativas. Tudo isso foi discutido. Infelizmente, nada disso foi concretizado. Os editais foram lançados há dois dias, no dia 17 de outubro de 2023. São cinco editais, um para cada linha. O quinto edital é de outras áreas também, e é voltado para mestres de cultura. É um valor menor, um valor de um prêmio de R$ 2.500 para 25 mestres. Teresina tem uma tradição… As pessoas geralmente ligam o bumba-meu-boi ao Maranhão. Mas, historicamente, o bumba-meu-boi surge no Piauí. Tem até aquela musiquinha que um cearense, Belchior, cantava: “o meu boi morreu, que será de mim?, manda buscar outro, maninha, lá no Piauí”. Por quê? O Piauí é um estado de colonização pecuária. Tanto que ele é colonizado do centro para as bordas. É por isso que nosso litoral tem apenas 66 quilômetros. Quando Domingos Jorge Velho foi para o Piauí, fez um genocídio indígena. Os que não foram mortos foram expulsos para as bandas do Maranhão, levaram a tradição do bumba-meu-boi. Por conta do histórico de ausência de políticas públicas de valorização da cultura regional, o Piauí perdeu o imaginário popular do bumba-meu-boi para o Maranhão, assim como tem perdido a questão gastronômica para o Ceará. Podemos citar a cajuína, podemos citar a bomba, podemos citar a Maria Isabel, uma série de comidas que são, até onde a história alcança, de origem piauiense e que estão sendo melhor publicizadas pelo Ceará. Isso tudo passa pela pauta de valorização da cultura local. Você quer falar mais sobre a Lei Aldir Blanc?

Sharine: Com a volta do Ministério da Cultura, o que você acha que há de continuidade e de mudança em relação ao que você falou?

Pedro: Vamos separar os entes. Em termos, o Estado continua fazendo o mesmo trabalho que já vinha fazendo. Tenho sérias críticas quanto ao SIEC, o edital de fomento…

Sharine: É do Estado?

Pedro: Sim, do Estado… Ele veio crescendo. Saiu de seis milhões e pouco em 2018 para quatorze milhões em 2023. Você viu que ele mais que dobrou nesse período. Claro que isso aconteceu porque tem ligação com o ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços]. Houve disparos no preço da gasolina, no custo de vida. Tudo isso impacta na arrecadação do ICMS. Mas o que acontece, a minha crítica, é que boa parte de SIEC é voltada para reformar estruturas, muitas delas do próprio estado que, no meu entendimento, têm que ser reformadas, claro. Mas tem que ser pela rubrica da Secretaria de Infraestrutura ou, se for pela Secretaria de Cultura, por uma outra rubrica que não seja a do SIEC, que é o mecanismo de mecenato que seria voltado para os artistas, os produtores. Os projetos de artistas e produtores são sempre aprovados com somente uma parcela do valor do projeto para captação. Faz parte da Lei. Se você submete um projeto de R$ 100 mil, recebe uma carta de 30%. Isso às vezes inviabiliza o projeto ou causa o vício de as pessoas fazerem o projeto hipertrofiado porque sabem que vai ser cortado para um terço. Acho que a administração pública passa muito pela confiança, pela clareza. O Estado vinha fazendo este trabalho ao longo desses quatro ou cinco anos, levando em conta Bolsonaro e Temer. Mas com esses limites. Com a Lei Aldir Blanc, que na verdade vem antes do retorno do MinC [Ministério da Cultura], houve essa injeção de ânimo. Todos estavam realmente depressivos. Todo mundo fala que o setor da cultura foi um dos primeiros que fechou e um dos últimos que abriu, que mais sofreu, etecetera, etecetera, etecetera. Mas os nossos artistas, os nossos agentes culturais no Piauí já são muito sacrificados por conta de uma história de falta de apoio, de ausência de política pública. Então, a Lei Aldir Blanc veio como uma luz no fim do túnel. O Estado fez três editais principais. O Maria da Inglaterra, que era uma senhora, uma cantora popular. Cantava assim: “o peru rodou, e rodou, rodou, e as meninas desta terra todas querem meu amor”. Para você ter ideia, ela faleceu recentemente, há alguns anos, e o sonho dela era ter um banheiro dentro de casa. Tem o João Claudino, que era um dos homens mais ricos do Nordeste. É dono de shoppings, construtoras, a maior fábrica de jeans do Brasil, fábrica de bicicleta, enfim, muita coisa. Era um homem extremamente rico e era um mecenas da cultura. Mas era um mecenas que, claro, utilizava a Lei de Incentivo. Ele não dava dinheiro. Outro foi Afrânio Castelo Branco, que era um senhor também, pintor. Os valores foram muito arbitrários. Se você não tem o sistema de informações, como vai quantificar os projetos? Quantificar tanto no número quanto no valor. Foram mais de mil contemplados, pessoas físicas. A maioria foi de valores menores, de R$ 1.500 até o limite de 25 projetos no último edital, que receberam de R$ 100 mil a R$ 400 mil. 

Sharine: É bastante dinheiro…

Pedro: É muito dinheiro. Além de os editais serem muito díspares, teve a questão da temporalidade. Usualmente, quando temos editais diferentes, todos são publicados juntos. Assim, a pessoa pode escolher em qual vai entrar. Nesse caso, não. Foi um após o outro, sendo que os últimos eram impedidos de entrar porque já tinham concorrido nos anteriores. Muita gente que foi selecionada para um prêmio de R$ 5 mil reclamou, e com razão, de não poder concorrer ao prêmio de R$ 50 ou de R$ 100 mil reais. Isso gera uma grande desconfiança a respeito de existir uma casta de abençoados. A Lei Aldir Blanc teve uma série de reservas. Você deve ter visto que 120 projetos, após aprovados, foram retirados da aprovação. Não entendo como se chama, se são reprovados. A Lei Aldir Blanc, é claro, era uma lei emergencial que visava a minorar o prejuízo da COVID-19. De repente, artistas que tradicionalmente eram jornalistas, que não se envolvem diretamente com a arte, mas sim com o jornalismo, com a comunicação, foram selecionados para receber grandes recursos. Eles não passaram essas contingências que os artistas passaram. Por conta disso, 120 projetos foram eliminados. O Piauí foi o primeiro estado a investir, destinar a totalidade de recursos da Lei Aldir Blanc. O Piauí costuma ser pioneiro em muitas coisas, como o Conselho Estadual de Cultura.

Sharine: Foi na época da ditadura, mas é um marco.

Pedro: A Profa. Lia Calabre e o Prof. Antonio Rubim têm trabalhos nesse sentido e eles falam que o Projeto Nacional de Cultura e os Conselhos Estaduais de Cultura na época da ditadura militar tinham interesses outros que não eram promover a cultura popular. Eram mecanismos de controle da cultura. Então, se o Conselho Estadual de Cultura do Piauí surgiu nessa atmosfera, e existe até hoje… São quarenta, sessenta anos? Faça as contas… Se ele surge nesse contexto de regime de exceção, de ditadura militar, e permanece com a mesma estrutura, há algo de errado, há algo aí. Questiono não apenas isso, mas também o fato de o Piauí não ter mapa cultural. Em 2019, quando voltei para o Piauí, eu já estava questionando isso. Outras pessoas já questionavam antes. O estado não adotou e, para a Lei Aldir Blanc, rapidamente, criaram o SICAC [Sistema de Cadastro Cultural] para servir de cadastro. Só que o SICAC não é uma plataforma. Você manda por e-mail os seus dados, seu portfólio, seu CPF e tal, e recebe, de volta, um pdf com sua foto e um número e a validade.

Sharine: É bem precário. 

Pedro: Como eu disse, foi criado em regime de urgência. Como eu disse, aconteceu a Lei Aldir Blanc com todas essas reservas. A Prefeitura também não tem cadastro e utilizou o SICAC na Aldir Blanc, ou seja, utilizou o cadastro do Estado ou portifólio, tem a possibilidade dupla. A crítica principal à Prefeitura não foi nem a questão de valores. Foi principalmente que a Prefeitura demandou, durante uma pandemia, que as pessoas fizessem cadastro fisicamente. Então, nesse ponto, foi um absurdo. Mas, na época, eu não fazia parte da municipalidade. O meu interesse era no Estado. Era o que eu via de interesse por conta do edital de que eu tinha participado, continuava participando.

Sharine: Como você acha que a Lei Aldir Blanc e a Paulo Gustavo impactaram, de alguma forma, na implementação do Sistema Nacional de Cultura?

Pedro: Nesses dias, aqui no Seminário [XII Seminário Internacional de Políticas Culturais, realizado em outubro de 2023, no Rio de Janeiro], discutimos muito sobre isso. Uma coisa que acho que é perceptível para todos: talvez o principal indutor de adesão ao Sistema sejam justamente as transferências. Até o Alexandre Barbalho, quando questionei sobre isso, disse: “temos que ver que, no período antes da transferência, muitos municípios aderiram ao Sistema”. Qual o porquê disso? É uma concepção minha… Creio que, justamente, na expectativa de acontecer. Apesar de ninguém ter dito: “olha, vão acontecer as transferências”… Ninguém imaginava que haveria a Lei Paulo Gustavo, que haveria a Lei Aldir Blanc. Porém, o próprio regramento já dizia dessa possibilidade. Você tem que perguntar por que, por exemplo, Teresina tem Fundo Municipal desde, salvo engano, 1986. É uma outra questão. Teríamos que ver aquele momento, por que foi feito o fundo e tudo.

Sharine: Na verdade, essa ideia dos fundos e dos conselhos, dos planos, é antiga. É da década de 1960. O Sistema Nacional de Cultura foi pensado nos anos 1960. Não foi para frente e, também, era em um formato diferente do que temos hoje. Não conheço a história do seu estado. Mas acho que o fundo pode ter vindo na onda, nos anos 1970 e 1980, da institucionalidade que estava sendo pensada naquela época. É só um palpite…

Pedro: Exatamente. O que se faz no contemporâneo? Pega-se as estruturas que já existiam e somente as modifica para poder se adequar. Por exemplo, o Conselho Municipal de Cultura virou Conselho Municipal de Política Cultural. O Conselho Estadual de Cultura não mudou de formato. Houve esse salto de institucionalização. Já que, pelo menos empiricamente, o principal indutor são essas transferências, ou pelo menos a expectativa delas, vimos na Lei Paulo Gustavo, principalmente agora, uma adesão em massa dos municípios do Piauí. Temos 224 municípios. Fomos um dos primeiros estados a ter 100% de adesão à Lei Paulo Gustavo. Considerada a quantidade de municípios, fomos o primeiro dessa dimensão. Acho que o primeiro foi o Pará, que tem muito menos municípios. Temos que ver a questão estética da adesão e a questão prática da implementação.

Sharine: O que você entende por estética?

Pedro: Cumprir os ritos em termos documentais, burocráticos: a estética, digamos assim. Em uma análise rápida, sem ser aprofundada, você vê que tudo está em ordem. Da teoria para a prática, há um gargalo. Estamos com muita dificuldade de fazer nossa Conferência Municipal de Cultura. Desde o início do ano, desde quando o Conselho assumiu, estamos solicitando recursos. Aquele primeiro presidente da Fundação tinha dito que haveria uma reserva, só que isso não foi para frente. Quando mudou de presidente, ele não sabia do que se tratava. Pediu uma dedicação completa à Lei Paulo Gustavo. Assim fizemos. Se não fosse assim, realmente não haveria a Lei Paulo Gustavo. Assim como o Piauí não prestou contas, Teresina também não havia prestado contas, com a diferença de que no estado do Piauí não houve mudança de gestão. Piauí está com o mesmo grupo político há mais de vinte anos. Em Teresina houve mudança de gestão e a informação que chegou até mim é de que foi justamente nessa mudança de gestão. A gestão anterior não queria assumir esse compromisso. Deixou para a próxima que, quando assumiu, não verificou e, com isso, o MinC informou: “vocês não prestaram contas, não vão receber a Paulo Gustavo”. Foi feita uma força tarefa dentro da Fundação, junto com a Secretaria Municipal de Finanças, para poder prestar contas em tempo hábil. Assim foi feito. Prestaram contas antes do prazo final. Como tivemos o plano de ação aprovado de primeira, recebemos os recursos, houve essa demora. São dois grupos políticos: estado e município. Muitas vezes, há um antagonismo. Existe uma disputa. Curiosamente, não é para saber quem vai primeiro. É para saber quem vai por último.

Sharine: Por quê?

Pedro: Já questionei isso. Eles ficam tentando fazer depois do outro para que o outro receba todas as críticas. O Estado espera pelo Município, o Município espera pelo Estado, tentando, assim, minimizar a fragilidade.

Sharine: “Deu errado, mas a culpa não é minha”…

Pedro: “O outro lado é mais errado e deu errado primeiro”. Foram complicados os editais e, até hoje, nos grupos de cultura, as pessoas estão discutindo o do Estado. Alguns poucos começaram a discutir o do Município. O do Estado foi lançado primeiro e apresentou uma série de problemas: problemas de plataforma, problemas de incorreção nos editais, pessoas questionando valores, uma série de questões. A maioria dos artistas ainda não se debruçou sobre os editais do Município. Está nesse vácuo. Mas, voltando, eu acredito que essas leis são o principal indutor de adesão ao Sistema, como eu disse, pelo menos no sentido estético, na aparência. A questão mais importante, que é a participação social, tem que ser avaliada com mais tranquilidade. 

Sharine: Para terminarmos, idealmente, o que você imagina que devam ser as políticas culturais no Brasil.

Pedro: Ainda estou me dedicando aos entes subnacionais. Eu acredito que uma coisa que iria resolver muitas questões seria, realmente, a delimitação de competências, como acontece no sistema de saúde, acontece no sistema de educação. Essas sobreposições ou ausências são muito problemáticas. Sabemos que alguns projetos conseguem captar recursos das três esferas. É mérito deles. Mas, ao mesmo tempo, isso diminui a possibilidade de outros projetos captarem. Se tivéssemos um regramento claro que dissesse, por exemplo, que cultura tradicional, endógena daquele lugar, é da municipalidade, outro tipo de fazer cultural é mais ligado ao estado… Enfim, teríamos que elaborar uma forma de medir isso. Projetos mais caros… Vemos muito com a lei Paulo Gustavo a questão de que projetos de audiovisual costumeiramente são muito mais caros que os outros, claro. Entra também a questão de ser uma equipe maior, geralmente. Envolve outras disciplinas. Para fazer uma obra audiovisual, você contrata um designer, um roteirista, que é da literatura… Contrata profissionais de outras áreas. Pode contratar bailarinos, artistas circenses. O audiovisual tem como conciliar outros setoriais. Isso o torna também uma modalidade mais cara. Por questões de valores, talvez fosse mais simples: projetos, sei lá, acima de dois milhões fossem para editais nacionais, abaixo disso para os estaduais e os menores, para os municipais. Se o município pudesse capilarizar, talvez fosse uma solução. Acho que cada pensador tem uma solução própria. A minha talvez fosse esta: dividir por valores. É um modo muito objetivo de separar. Fica bastante bem definido. Em termos da minha municipalidade, eu gostaria, estou trabalhando ferrenhamente para isso, que a Lei A. Tito Filho voltasse, fixada em 5% de arrecadação do ISS e IPTU. Pelas projeções, sendo de 5%, o recurso seria maior que o da Lei Paulo Gustavo. Então, esse nosso discurso “é o maior recurso da história” cairia por terra. No estado, que o SIEC cresça, mas que não tenha mais esse limite de 30% para os projetos e que possa ser a totalidade do apoio. Fomento direto, não só mecenato. Tendo fomento direto e mecenato, conciliados, tem tudo para dar certo.

Sharine: Obrigada!

 

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