Canclini na Cátedra

Entrevista com Tomás Ejea. Realizada presencialmente, no Museu Nacional de Antropologia, Cidade do México (México), no dia 27 de fevereiro de 2024

Sharine: Gostaria de conhecer um pouco sua trajetória no âmbito da cultura.

Tomás Ejea: Meu nome é Tomás Ejea Mendonza. Sou licenciado em sociologia, mestre em teatro pela Universidade Estadual de Nova York, sou mestre em história da arte pela Universidade Nacional Autônoma do México e sou doutor em sociologia política, especializado em políticas culturais pela Universidade Autônoma Metropolitana Azcapotzalco, onde sou professor pesquisador há quarenta anos. Tenho uma trajetória na direção teatral, de gestão cultural e na academia. Os temas com os quais tenho trabalhado para a pesquisa são sociologia do teatro, sociologia da cultura, política cultural, política cultural universitária. Tenho trabalhado com algo do movimento estudantil também. Mas, fundamentalmente, agora estou voltado à política cultural. Atualmente, participo de uma pesquisa de vários países da América Latina. Estamos fazendo um estudo comparativo das políticas culturais para as artes. Agora mesmo estamos fazendo um compêndio da legislação cultural voltada às artes. Participam: Argentina, Uruguai, Colômbia, Peru, Equador e México.

Sharine: Brasil não?

Tomás Ejea: Estamos procurando alguém do Brasil que queira participar. Estamos começando a dar forma à pesquisa. Temos financiamento de diferentes instituições, mas será o primeiro trabalho desse tipo na América Latina.

Sharine: Bom, eu tenho formação em comunicação social, mas, desde 2008, trabalho na Fundação Nacional de Artes, no Brasil. É um órgão vinculado ao Ministério da Cultura. Fiz meu doutorado sobre as políticas culturais e a economia criativa. Agora estou na Universidade de São Paulo com uma bolsa. Estou de licença de meu trabalho para me dedicar à pesquisa. Trabalho com o Prof. Néstor desde 2020, enquanto estávamos na pandemia. Na época, foi tudo virtual. Trabalhávamos sobre a institucionalidade da cultura, mas minha pesquisa em particular era sobre a Lei Aldir Blanc. Vou falar um pouco sobre ela. Como vemos no gráfico, estávamos nesta situação no Brasil. Esses são os orçamentos para a cultura. A porcentagem da função cultura é somente um dos indicadores, mas é um dos mais importantes. Vinha caindo desde 2014 no Brasil e estava muito baixo em 2020, na pandemia. Então, houve uma manifestação popular muito importante no Brasil, com apoio de deputados e de senadores e, também, com a participação dos artistas. Eles conseguiram fazer uma lei emergencial, mas foi muito mais do que isso. O governo federal repassou o dinheiro para os estados e para os municípios para que fizessem ações descentralizadas para a cultura. Foi a primeira ação desse tipo no Brasil. Já tínhamos um projeto para o Sistema Nacional de Cultura, que é federalizado, mas nunca funcionou. Foi a primeira vez que funcionou, com a Lei Aldir Blanc, mas não totalmente. Eu vi que no México também havia alguns movimentos…

Tomás Ejea: Estou vendo esses dados porque Néstor usou para uma conferência em julho. Foi uma conferência que ele deu precisamente sobre este tema. Foi uma comparação de orçamentos usando precisamente os do Brasil, como se deu esse processo.

Sharine: Há uma outra comparação, também das funções do orçamento. Este é de saúde, que, claro, é mais alto… Educação… Mas somente isto é cultura. É muito baixo no Brasil. Aqui é uma tela das manifestações pela Lei Aldir Blanc. Como era uma pandemia, tudo foi virtual.

Tomás Ejea: Quando foi o governo de Bolsonaro? De 2019 a 2023?

Sharine: De 2019 a 2022. São quatro anos no Brasil. Esta é uma comparação com o México. Os orçamentos do México são maiores que os do Brasil. Mas, com a Lei Aldir Blanc, foram duplicados. Também depois de 2022, com o novo governo de Lula, com a Lei Paulo Gustavo e com a Política Nacional Aldir Blanc, que é nova e válida por cinco anos.

Tomás Ejea: Era uma coisa que eu discutia com Néstor este dia. Esses são orçamentos totais, não são per capta, não é verdade? Porque os valores per capta são muito mais baixos do que no México. São 215 milhões de habitantes no Brasil agora. O valor per capta estaria por aqui.

Sharine: #NoVivimosDelAplauso é um movimento que o Prof. Néstor García Canclini analisou. Ocorreu no México, mas não teve a força do movimento pela Lei Aldir Blanc no Brasil. Gostaria de saber sua opinião sobre os movimentos sociais em relação às políticas culturais aqui no México.

Tomás Ejea: Estou lendo uma tese de doutorado de Teresa Lazcano. Tere está fazendo o doutorado com Néstor. Sua tese é muito interessante. Ela estudou o que se passou com #NoVivimosDelAplauso, MOCCAM [Movimiento Colectivo por la Cultura y el Arte en México]. É exatamente com o que ela trabalha: como se deu esta mobilização nestes anos para diferentes grupos. Ela esteve no Congresso Nacional do Trabalho. RECIO (Red de Espacios Culturales Independientes Organizados, da Cidade do México, ANTI (Asociación Nacional de Teatro Independiente), Emergencia Cultural#NoVivimosDelAplauso também esteve com ela. Ela esteve na organização deste movimento.

Sharine: Além da tese, qual é a sua opinião sobre os movimentos sociais e a relação entre esses movimentos e as políticas culturais, a institucionalidade da cultura.

Tomás Ejea: Em termos gerais, no México, como em muitos países do mundo, o desenho das políticas culturais, do meu ponto de vista, não está muito relacionado com as demandas e necessidades da população, sobretudo quando pensamos no caso do México no século passado, apesar de o governo mexicano – e, digamos, em termos gerais, o estado mexicano – ter utilizado o setor cultural como uma bandeira internacional,  também foi, de uma maneira muito importante, um elemento central para a construção da identidade nacional. Precisamente por isso, ele dedicou recursos importantes. Claro, nunca comparados com os recursos que, por exemplo, os países da Europa ou dos Estados Unidos dedicam. Nos estudos que fiz a respeito, os orçamentos das secretarias de cultura na Europa ultrapassam em vinte ou trinta vezes per capta o que é dedicado pelo governo mexicano ao setor da cultura. É muito, é uma diferença enorme. Mas, dentro do contexto latino-americano, o México é um dos países que dão mais recursos para a cultura. Tanto o governo federal como os estaduais fazem isso.

Sharine: Você tem os dados?

Tomás Ejea: Agora não os tenho comigo. Além disso, seria necessário atualizá-los. É uma das coisas que estamos fazendo. Se pensarmos em termos per capta, claro… Porque o orçamento do Brasil pode ser maior, mas o do México, que é o segundo país, em termos populacionais, é maior até mesmo do que os de todos os outros países. É preciso confirmar esses dados, claro, mas não há dúvidas de que o estado mexicano teve, como uma de suas principais características, em termos de sua narrativa, o impulso ao cultural. O que tem sido entendido como cultural? Tem-se entendido três funções principais. Uma, o cuidado com o patrimônio, o patrimônio cultural, o patrimônio antropológico, etc. Por isso, precisamente, existe o Instituto Nacional de Antropologia e História, que é onde estamos agora, neste museu que foi construído nos anos 1960 [refere-se ao Museu Nacional de Antropologia]. O outro é a promoção às artes. Isso tem um papel muito importante porque o governo mexicano se encarregou de uma importante difusão dos artistas mexicanos nas artes plásticas. Isso ocorreu há um século, com a política chamada, em seu momento, de cruzadas culturais ou missões culturais de José Vasconcelos, que era, primeiramente, o reitor da universidade e que também foi o secretário de educação pública no momento da pós-revolução. E, em terceiro lugar, a prestação de serviços é muito impressionante no México, como algumas instituições que se dedicam, por exemplo, à saúde, como o Instituto Mexicano de Previdência Social. É fundamentalmente de saúde, mas construiu uma grande cadeia de teatros, de enormes teatros. São quarenta teatros, creio, em toda a República, construídos nos anos 1950, que estão desperdiçados porque são enormes. Então, o IMSS, o Instituto Mexicano de Saúde, o ISSTE, o Instituto de Previdência Social dos Trabalhadores do Estado, etc, têm um setor de atividades culturais, além da própria Secretaria de Cultura, como se chama agora. Não existia a tal Secretaria no México. Foi, de 1959 a 1988, uma subsecretaria, a Subsecretaria de Cultura, que dependia da Secretaria de Educação Pública. Em 1988 foi formado o Conselho Nacional para a Cultura e as Artes, que funcionou desde 1988 até 2014. Agora temos uma Secretaria de Cultura. Todo este contexto serve para entender que a política governamental foi, fundamentalmente, decidida a partir dos funcionários que estavam muito fortemente ligados a todo o sistema autoritário que existia no México, um sistema de caráter totalmente autoritário e de mono partido, um partido monolítico com rompantes repressivos muito fortes. A política cultural se desenhava nesse âmbito, aliada ou junto com algumas figuras importantes do próprio setor cultural. Por exemplo, com as artes, podemos mencionar diversos artistas que estavam ligados a este grupo político, que mantinha o poder durante muitos anos. Portanto, as decisões de cultura não tinham nenhum componente relacionado nem mesmo a setores amplos dos grupos artísticos ou criativos e, muito menos, à população em geral. Mas buscava-se que o maior número possível de pessoas tivesse pelo menos acesso aos bens culturais, como disse, por meio da Secretaria de Cultura, em seu momento, ou através da previdência social. A Secretaria de Fazenda, que é a Secretaria do Tesouro, no México, tem um aparato cultural enorme também. Ou seja, todo mundo tem um aparato cultural. Em que responde a necessidades e compromissos reais de amplos grupos da população? Em nada. Ou seja, durante todo esse tempo, não havia nenhuma relação, propriamente, com grupos populares em termos das caraterísticas das populações. Isso começou a mudar precisamente do final do século passado e no início deste. Diferentes grupos começaram a se mobilizar e a participar mais ativamente, mas sempre foi e segue sendo, de alguma maneira, na contracorrente. Sempre contra uma burocracia política e econômica, que está realmente afastada das necessidades e do que a população propõe. Digamos que haja uma espécie de paternalismo, no sentido de que o estado e os diferentes governos decidem o que é bom e o que querem os diferentes grupos sociais. Podemos ver isso pelas diversas rotas de ruínas arqueológicas ou de sítios arqueológicos, passando por muitas atividades culturais em geral, não somente em termos de patrimônio, mas também em termos de multiculturalidade. Então, há uma mudança importante neste século, mas que não responde a uma lógica do que os próprios criadores, artistas e pessoas da cultura querem, mas que é uma transformação política que vem ocorrendo em todo o país. Isso tem a ver com os governos neoconservadores do PAN [Partido de Ação Nacional]. Eles mantêm a lógica e a política do regime anterior, que é o regime priista. Há uma alternância do governo no ano 2000, mas não há uma mudança da lógica estrutural, principalmente nas políticas culturais. Alguns dizem que sim. Existe, desde então, um CONACULTA [Conselho Nacional para a Cultura e as Artes], um FONCA [Fundo Nacional para a Cultura e as Artes], toda uma série de instituições que foram sendo criadas. Essa é uma discussão importante que deveria ocorrer nos processos históricos, mas já seria sobre como ocorreram os processos históricos. Segundo eu, foram conservadas as mesmas instituições, entre elas a que tenho estudado bastante, que é o FONCA, que agora tem outro nome, agora se chama Sistema Creación, sistema de apoio a criação e projetos culturais, mas é exatamente a mesma coisa. Segue funcionando da mesma maneira. Apesar da alternância política com governos do PAN e, depois, do PRI, o sistema, em termos de políticas culturais, do meu ponto de vista, é muito semelhante. E vem uma erupção da sociedade, principalmente, eu sinto, a partir da fraude eleitoral de 2006 [eleição de Vicente Fox para presidência da República]. Para além de nossas diferentes perspectivas, é claro que houve uma frande na presidência, e isso é central. Começam a ser geradas manifestações cidadãs em muitos campos e, também, na cultura. Aí começam novos grupos, que vão sendo criados, que não estão ligados diretamente ao governo e que começam a chamar a si mesmos, em uma complexidade terminológica enorme, de independentes. É praticamente o que Tere Lazcano analisa, esses grupos independentes. O problema da tese de Tere é que ela não questionou o conceito de independente. Mas faz, me parece, um bom estudo etnográfico do que tem sido esse processo.

Sharine: Por que você questiona a palavra independente?

Tomás Ejea: Do meu ponto de vista, o conceito de independente não se aplica porque seguem dependendo dos recursos do governo.

Sharine: Ia perguntar como vivem…

Tomás Ejea: Claro que não é o circuito oficial dos teatros no governo, porque, no México, o governo tem teatro. Não é esse circuito, estão fora desse circuito, mas estão relacionados intermitentemente. Entram, às vezes saem, estão lá, estão aqui.

Sharine: Porque recebem as bolsas?

Tomás Ejea: Quase todos eles recebem bolsas. Então, não são independentes em termos econômicos. Eles dizem: “somos independentes em termos criativos”. Muitas vezes, dizem: “porque nossos espaços são independentes”. Isso sim é certo, têm espaços independentes. Mas os recursos, em grande parte, seguem sendo do governo. Essa é outra discussão que deve haver, não? Essa é a discussão que deveria ser feita.

Sharine: Sim, também me interessa. Seria minha próxima pergunta. Há uma comparação, no Brasil, entre o sistema de saúde, que é público e universal, e o Sistema Nacional de Cultura, que ainda não existe, mas que estão tentando implementar. Funciona com os conselhos estaduais e municipais e com a participação da sociedade civil. Também com planos e fundos. Isso está mudando a maneira como vemos o sistema de cultura. Antes era muito mais concentrado no governo federal. Agora, o governo repassa o recurso para os estados e os municípios. Não é mais centralizado. Isso está mudando toda a maneira de pensar nas políticas culturais brasileiras. Gostaria de saber como é essa relação federativa no México, entre os estados, os municípios e o governo federal.

Tomás Ejea: O México, apesar de ser, normativamente, uma federação, na realidade sempre teve um governo muito centralizador, como em muitos países da América Latina. Mas eu acho que o México é especialmente centralizador neste sentido, apesar de ser uma federação pensada de modo muito federativo. O México não se chama México, chama-se Estados Unidos Mexicanos. Ou seja, falava-se de um forte sentido federalista quando se formou. Mas, depois da Revolução, em 1920, tornou-se sumamente centralizado, sobretudo na figura do presidente, que era uma espécie de ditador durante seis anos. Era uma ditadura de seis anos que ia se renovando, fortemente centralizada. Foi apenas neste século, no começo deste século, que começaram a ser elaborados programas culturais nas diferentes instâncias dos governos federais, mas sempre no nível governamental. Foi a partir dos anos 1990 que começou a haver secretarias ou conselhos de cultura nos estados. A cultura nem sequer tinha um alcance normativo de primeiro nível.

Sharine: Quando isso começou?

Tomás Ejea: É um processo que vai se dando paulatinamente no final dos anos 1980 e durante os anos 1990. Neste século, mais ou menos em todos os lados, já existe o que se chama formalmente de instâncias estaduais de cultura. Não tenho certeza do nome que recebem, mas começam a ser formadas. São institutos que logo se tornam conselhos, que logo são secretarias. Cada governo em exercício muda o nome, mas, pelo menos, já começam a existir formalmente. No nível federal, até 2014 não tínhamos Secretaria de Cultura. Em muitos estados, continua havendo conselhos, institutos, que têm uma hierarquia menor do que, no Mexico, é uma secretaria, é um ministério, é o primeiro nível dos governos. Quando falamos em secretários, estamos falando em ministros do primeiro nível. Do mesmo modo, nas entidades federativas: quando falamos em secretários, é o primeiro nível. Por outro lado, é fortemente centralizado. Os programas governamentais nos estados começaram a funcionar apenas na década passada. Alguns, sobretudo os relacionados com o patrimônio cultural, estão presentes. O que você entende por patrimônio cultural? Pirâmide e alguns edifícios da época colonial. Há que se ter em conta que, segundo a lei, no México, todo vestígio que seja anterior à colônia, chama-se patrimônio arqueológico. Durante a colônia e o século XIX, chama-se histórico. Ou seja, antes da colônia, o pré-hispânico é arqueológico, e assim está classificado. Durante os três séculos de colônia e o século XIX, é patrimônio histórico. Os patrimônios do século XX e do século XXI chamam-se artísticos e são nomeados bens. Os bens arqueológicos, pela constituição, pertencem todos ao estado, estejam onde estiverem, sejam como sejam, são do estado, não se pode comprá-los, não se pode vendê-los.

Sharine: O estado nacional?

Tomás Ejea: Sim, o estado nacional. A lei específica já estabelece que são somente do Governo Federal. Então, qualquer vestígio arqueológico mexicano, pré-hispânico, em qualquer parte do mundo que esteja, pertence ao México. Isso tem implicado em toda uma diplomacia cultural e no combate ao mercado paralelo, que é enorme, o mercado de bens arqueológicos. Segundo a lei, nenhum particular pode ter nada. Os bens históricos são também chamados de bens imóveis. Imagine: a lei chama de imóveis a coisas que são móveis. Aqui, os históricos pertencem a particulares, mas não podem ser modificados sem a permissão do Estado. Você pode encontrá-los na Calle de la Reforma, que é a maior rua da Cidade do México. É uma espécie… Como se chama, em São Paulo, onde estão os museus?

Sharine: Avenida Paulista.

Tomás Ejea: Aqui no México, temos uma espécie de Champs Elisé, que se chama Reforma. Lá você encontra as fachadas dos edifícios antigos. E, atrás, umas torres modernas, porque o governo decidiu que iria manter as fachadas. Até as movem para que caibam as torres.

Sharine: Pelo menos, mantêm as fachadas. No Brasil, já foi tudo demolido na Avenida Paulista.

Tomás Ejea: Pelo menos lá estão as fachadas porque os monumentos históricos não podem ser modificados sem a permissão do governo e o governo não dá permissão para modificá-los. Então, você pode ter uma casa velha, do século XIX, e não pode fazer nada com ela, que está caindo. O INAH [Instituto Nacional de Antropologia e História], que é precisamente este departamento, não dá permissão para movê-la. Coisas assim são feitas para manter o patrimônio. Os monumentos, que também se chamam monumentos artísticos, precisam do que se chama declaração. O presidente, somente o presidente, estabelece que artistas ou que tipo de arte é considerado monumento artístico. As pinturas de Frida Kahlo, as pinturas de Diego Rivera, Remedios Varo, de todos esses grandes pintores, são propriedade da nação porque há uma declaração que diz que são propriedade da nação. Então, se você compra ou vende um Frida Kahlo ou um Diego Rivera, isso é da nação.

Sharine: Como?

Tomás Ejea: Legalmente. Em termos reais, todo mundo traz e leva várias coisas.

Sharine: Mas há obras nos museus privados, não?

Tomás Ejea: Precisam de permissão do governo. Os particulares precisam ter permissão para exibir as obras.

Sharine: Como são escolhidos os artistas?

Tomás Ejea: Fazem um estudo, colocam na escrivaninha do presidente e o presidente não assina nada. Sente preguiça de assinar [risos]. Há toda uma polêmica. Creio que há dez…

Sharine: Que são patrimônio?

Tomás Ejea: O último foi o de Remedios Varo. É uma pintora surrealista, muito boa, catalã. Foi uma disputa de trinta anos com os familiares, demorou quarenta anos… Bom, o que estou tentando dizer é que o principal são as ruínas arqueológicas: propriedade, manejo e administração federal. Os estados e municípios não podem colocar as mãos.

Sharine: Eles podem fazer os editais?

Tomás Ejea: Há programas, no século XX: PACMyC [Programa de Apoyo a las Culturas Municipales y Comunitarias], PECDA [Programa de Estímulo a la Creación y Desarrollo Artístico]. Dessa forma, os estados podem intervir mais ou menos no que diz respeito à federação. Tudo começa no nível institucional. Ou seja, praticamente não estamos falando de participação cidadã. Em alguns lugares, por exemplo, em Nuevo León, formou-se um Conselho Estadual de Cultura. Foi feito independentemente do poder executivo estadual e foram dadas a ele atribuições cidadãs. Mas o último governador não suportou. Agora há uma discussão legal para ver se podem continuar, se o governador tem a possibilidade de recuar nessa lei para voltar a administrar tudo diretamente ou não. Há uma discussão, uma questão legal que ainda não foi decidida. Mas, enquanto o Conselho está parado, tem sido administrado de um modo muito pouco funcional. Não está funcionando.

Sharine: O que o conselho fazia?

Tomás Ejea: Administrava todos os programas de cultura no nível estadual. Ou seja, não estava diretamente subordinado ao governador. Antes, nos anos 1990, no começo deste século, o conselho era uma secretaria de cultura, mas a transformaram e deram-lhe atribuições independentes: nomeações do presidente do conselho, orçamento autônomo.

Sharine: Que bom.

Tomás Ejea: Sim, mas o último governador voltou atrás. Disse: “tudo o que estão fazendo com o dinheiro que eu administro é meu, sou eu que estou dando”. Tudo o que acontece nas entidades federativas é somente em nível governamental, está apenas tendo espaço de discussão e confrontação com o centralismo do México. Mobilizações cidadãs em prol da cultura, nos diferentes estados, são praticamente inexistentes. Há, por exemplo, mobilizações pequenas, muito conjunturais, que têm a ver com demandas específicas. Em Jalisco, há uns dez anos, alinharam-se com um governador conservador do PAN. Acho que um dos municípios fez umas esculturas e havia nus. Então, todos os vizinhos de classe alta se mobilizaram para que fossem retiradas. Há coisas assim, esse neoconservadorismo na arte.

Sharine: Há no Brasil também.

Tomás Ejea: Mas há somente coisas assim. Por isso são tão importantes essas que ocorreram na Cidade do México nessa época.

Sharine: Como #NoVivimosDelAplauso, por exemplo?

Tomás Ejea: #NoVivimosDelAplauso, MOCCAM, Congreso del Teatro…  Muitos estavam ligados às artes cênicas, especificamente ao teatro.

Sharine: E à dança?

Tomás Ejea: São bailarinos [risos]. Tenho dado muitas aulas a bailarinos e tenho muito contato com eles. Fiz parte da organização do concurso de dança contemporânea mais importante do México, porque é patrocinado pela universidade e eu era o responsável pelas artes cênicas. Tenho muito boa relação com eles. Mas estão sempre calados. Eles dançam. Por outro lado, os trabalhadores de teatro e os músicos… Aqui no México, pelo menos, cada um tem suas particularidades e os que mais se comovem são os de teatro.

Sharine: No Brasil também, são os de teatro, claro.

Tomás Ejea: Teatro, performance, tudo isso.

Sharine: Sim, porque é também uma arte de grupo. O que pedem ao governo? Mais orçamento?

Tomás Ejea: Há diferentes grupos que têm se mobilizado. Isso está muito claro na tese de Tere. Há um grupo que está ligado ao teatro comercial e quer que baixem os impostos, que facilitem as condições de segurança e salubridade nos espaços, porque as normas do governo, nesse sentido, são muito restritas, e querem facilidades para vender os ingressos. Há outro grupo que quer ter espaços independentes com o apoio do governo. Isso é, que eles tenham seus espaços. Têm demandado uma lei de espaços culturais independentes que lhes permita serem administrados de modo distinto de qualquer outro espaço. Muitas vezes, eles vendem bebida alcóolica, vendem alimentos, fazem outras coisas, principalmente vender bebida alcóolica, o que sempre permite manter um espaço.  Então, eles querem obter facilidades do governo para que esses espaços existam, que não sejam cobrados impostos, mas que também recebam dinheiro para a produção. Há outro grupo que, digamos, é mais de esquerda. Ele quer fazer o teatro mais comunitário ou espetáculos mais comunitários. O que lhes interessa, fundamentalmente, é que tenham fundos não retornáveis para que possam estabelecer produções muito mais ligadas às necessidades da comunidade.

Sharine: Por meio dos editais?

Tomás Ejea: Os editais se tornaram muito importantes para eles. Durante esses anos, estamos falando sobre todos esses grupos, que coincidiram na necessidade de exigir todas essas coisas do governo. Mas, quando começam a se articular como organização e a fazer contato com deputados para criar leis, começam a se diferenciar porque querem coisas distintas. Então, começa a baixar muito a capacidade de demanda, começam a ter ideias diferentes. Por exemplo, os produtores de teatro saem porque dizem: “eu quero é que me paguem os impostos, nada mais. Não quero todo o restante porque eu, sim, vivo do teatro”, porque são teatros comerciais, do circuito comercial. Eles se dizem independentes, mas, na realidade, estão dentro do circuito comercial. No México, o circuito comercial funciona porque está muito ligado à televisão. Então, garante os ingressos, garante as entradas. Você sabe que, no México, a televisão tem um papel muito importante. Ainda hoje, se você coloca uma estrela da Televisa, garante que irão ao teatro ver ao vivo o artista preferido. No México, isso é muito potente. Já não é tanto, mas era. Se colocava alguém no teatro, lotava. Em segundo lugar, a outra emissora de televisão chama-se TV Azteca, que é a concorrente. O circuito comercial está necessariamente ligado à televisão. Há um teatro comercial que até pertence a ela.  Alguns deles, que se chamam produtores de teatro, ou algo assim, já não estavam de acordo com toda a mobilização porque não respondia a seus interesses. E, assim, começaram a se fragmentar. Com a pandemia, vimos uma situação de maior desmobilização. No México, no começa da pandemia, em 2020, 2021, 2022, o que aconteceu foi que o governo federal quis fazer uma mudança na maneira como funcionava o FONCA e encontrou uma oposição fortíssima de toda a comunidade acadêmica, artística e criativa, que já estava completamente dentro do sistema. Então, houve uma enorme mobilização. Muitos desses grupos focaram-se mais em evitar o desaparecimento do FONCA.

Sharine: Que não desapareceu, só mudou de nome.

Tomás Ejea: A ideia inicial era alterá-lo radicalmente.

Sharine: Qual era?

Tomás Ejea: Extinguir todas as bolsas individuais. Uma das características do FONCA é que as bolsas são dadas a indivíduos. Eu demonstro em meu trabalho. Apesar de se falar em coletividades, é principalmente a indivíduos. Uma das propostas era eliminar as bolsas dadas a indivíduos para dá-las a coletivos, que não fossem artistas, mas que estivessem ligados às comunidades. Ou seja, a lógica da cultura comunitária. A ideia era mais ou menos essa. O problema é que não souberam claramente o que fazer. Quando chegaram ao poder, disseram: “vamos mudar isso”. Mas não sabiam como. Houve uma enorme mobilização contra e tiveram que recuar, tiveram que negociar. Mais do que negociar, o governo deixou de falar em mudança. A única coisa que fez foi extinguir o FONCA como fideicomisso, em um contexto muito maior de desaparição de muitos fideicomissos. O antigo regime usava os fideicomissos diretamente para roubar o dinheiro. Alguns não. Mas quase todos. Era uma roubalheira de dinheiro pela famosa batalha com fideicomisso. O que o governo federal fez foi eliminar todos. Um fideicomisso funcionava com dinheiro independente. O governo dá o recurso, mas é autônoma a maneira como é administrado. Então, havia fideicomissos para estradas, fideicomissos para escolas, para tudo. Na realidade, foi comprovado, em muitos casos, que os recursos ficavam com algumas pessoas. Inventavam um fideicomisso e ficavam com o dinheiro porque estavam em conluio com os próprios funcionários do governo. Eliminam os fideicomissos e, entre eles, planejam eliminar o FONCA. Então, houve uma mobilização enorme. O governo, a princípio, quis negociar. Mas depois disse: “não, vai ser extinto”. Mas o que ocorreu foi que deixou de ser um fideicomisso para ser parte da estrutura orgânica da Secretaria. Agora é uma Direção Geral. Do meu ponto de vista, e estou a ponto de colocar esses dados em um artigo, funciona exatamente da mesma maneira. Segue funcionando da mesma forma, ninguém alterou. Uma das minhas teses é que o FONCA funciona muito bem porque mantém todo mundo feliz. O governo lava as mãos e diz: “todo mundo feliz”. É relativamente barato. Ou seja, são dez milhões de dólares por ano. Agora passou para vinte milhões de dólares. Estou falando de 400 ou 500 milhões de pesos, todo mundo feliz, os intelectuais felizes, porque muitos deles têm uma atuação internacional, escritores, todo mundo entra.

Sharine: Mas é muito dinheiro.

Tomás Ejea: Para o México é uma parte pequena: 20 milhões de dólares não é muito porque temos um orçamento de aproximadamente 700 milhões de dólares. É que muda o dólar… São 12 bilhões de pesos, 13 bilhões de pesos. É relativamente muito pouco, é algo em torno de 4%.

Sharine: Na Funarte, onde eu trabalho, também fazemos os editais…

Tomás Ejea: É isso que vou estudar concretamente. Meu próximo artigo é sobre isso, em nível latino-americano: como funcionam os fundos no Chile, o fundo nacional das artes na Argentina… Quero ver como estão funcionando agora neste ano e no ano passado.

Sharine: A Funarte não é um fundo, é uma instituição. Mas também fazemos os editais e a chamadas públicas. O orçamento é muito menor que este.

Tomás Ejea: Acho que o fundo de vocês foi estabelecido a partir dos planejamentos.

Sharine: Temos também um fundo, que é o Fundo Nacional de Cultura, de onde saiu o dinheiro para a Lei Aldir Blanc. Mas não funcionava bem no Brasil. Era discricionário. O governo dizia para quem iria dar o dinheiro, para qual projeto. Somente começou a funcionar com a Lei Aldir Blanc. Temos uma lei, que é a Lei Rouanet, não sei se conhece. Mas funciona de uma maneira muito diferente dos fundos. É para o mecenato.

Tomás Ejea: É uma das coisas que quero estudar com calma porque, no México, não há mecenato e, no Brasil, sim. Esta é uma coisa importante de entender com todas as suas distorções e seus problemas.

Sharine: Este é um gráfico para vermos que o orçamento federal no Brasil é menor que no México. Há um orçamento estadual, que é grande, e também o municipal. Mas isso está mudando com a Lei Aldir Blanc. Este é o orçamento mexicano.

Tomás Ejea: Eu não conheço esses dados. De onde você os tirou?

Sharine: É do site Paso Libre.

Tomás Ejea: É do GRECU [Grupo de Reflexão sobre Economia e Cultura]. Eu estava no GRECU. Sou fundador. Agora já não estou com eles.

Sharine: Esta é outra comparação: quando tivemos a lei Aldir Blanc no Brasil, percebemos que há distintas culturas. Claro que já sabíamos disso antes. Mas, em pequenas cidades, muitos falavam: “não temos artistas aqui”. Claro que têm, mas era um discurso: “os artistas estão em São Paulo, estão no Rio de Janeiro”. Este é um dado do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística]. Os grandes municípios, com mais de 500 mil habitantes, tinham os editais para o teatro, para a dança, para a música, mas os pequenos também tinham para o artesanato, as manifestações populares. Então, há essa diferença entre as distintas culturas em nosso próprio país. Agora também estão muito fortes as culturas negras, as culturas indígenas… Tem crescido o número de pessoas que se dizem indígenas, que se dizem negras. Também tem crescido o número de pessoas quer se dizem evangélicas. Há uma disputa cultural no Brasil, também pelos orçamentos e pelos editais. Como isso acontece no México?

Tomás Ejea: Teríamos que ver se aqui no México temos esses dados.

Sharine: Esses dados são somente da Lei Aldir Blanc, mas são interessantes para termos uma ideia…

Tomás Ejea: É que não conheço essa informação no México. Não sei se o INGEI [Instituto Nacional de Geografia e Estatística], no México, tem algo assim, mas está superinteressante.

Sharine: Eu não consegui encontrar. Só encontrei o PIB [Produto Interno Bruto] da cultura. Mas não encontrei uma informação como essa. Mas como são as disputas culturais por aqui?

Tomás Ejea: Quantos municípios há no Brasil, mais ou menos?

Sharine: São 5.570.

Tomás Ejea: No México, temos 3 mil, mais o menos, acho. Está muito fragmentado. Há municípios grandes, municípios pequenos. Por isso é importante essa divisão, entre 500 mil e mais de 500 mil habitantes, porque acho que, sim, deve haver uma diferença importante. Eu acho que, no México, não há tantas cidades com mais de 500 mil habitantes como no Brasil. No México, deve haver umas 30 ou 40 cidades, não mais que isso. Acho que realizam muitas dessas atividades, porque tem havido uma incidência, nos últimos sexênios, de secretarias ou de institutos de cultura nas cidades. Por exemplo, há um muito forte em León, Guanajuato. Tem um instituto de cultura. León está em um estado que se chama Guanajuato. Tiveram uma presença municipal muito importante. Mas, há seis anos, colocaram na cadeia a prefeita porque estava roubando todo o dinheiro [risos]. É muito importante entender todas essas coisas.

Sharine: Claro, como no Brasil.

Tomás Ejea: Há institutos de cultura muito fortes no nível municipal. Por exemplo, o de Querétaro, que está aqui perto do estado do México. Isso sem falar no de Xalapa, a capital do estado de Veracruz. Você encontra alguns muito poderosos. Mas não conheço os dados, por isso não posso dizer mais. O que também posso dizer é que os pequenos municípios não dizem absolutamente nada sobre a cultura. Ou seja, não chegam sequer a ter uma casa de cultura onde possa haver oficinas. O máximo que os municípios pequenos fazem é: se há ruínas perto, colocam lá algum negócio, para que os turistas compreendam. Mas não estamos falando de um nível de restrição orçamentária. Não poderia ajudá-la mais.

Sharine: Os orçamentos para a cultura local são da administração local ou são federais?

Tomás Ejea: São da administração local. Há o orçamento federal, há o orçamento estadual. Todos os estados já têm instituto ou instituição de cultura. Em seguida vêm os municípios. Alguns têm orçamento para a cultura e outros não tem nada de orçamento.

Sharine: São os impostos locais?

Tomás Ejea: Não, é uma mescla. Na realidade, não há impostos locais, praticamente, no México. Somente alguns estados têm impostos locais. Todo o orçamento é centralizado.

Sharine: O governo federal repassa…

Tomás Ejea: O governo federal estabelece os orçamentos estaduais e os governos estaduais estabelecem os orçamentos municipais. Há uma parte da arrecadação fiscal que é muito pequena, que tem a ver com o que se chama miscelânea fiscal. A cada ano há pequenas modificações nessa dinâmica, mas são pequenas modificações que permitem que, por alguma circunstância, tal governo possa cobrar. Todos os impostos são federais.

Sharine: O que você pensa da cultura comunitária deste governo [refere-se à gestão de Andrés López Obrador]?

Tomás Ejea: Deste?

Sharine: De todos, mas acho que agora está mais forte.

Tomás Ejea: Em geral, acho que, em termos de política cultural, não de cultura, de política cultural, ou seja, de ação governamental, para definir a política cultural como a formada pelo governo e suas instituições, a cultura comunitária deve ter prioridade. Mas como e o que se entende por cultura comunitária é outra coisa. Eu não acredito que a cultura possa não ser comunitária. Mas o que entendemos por isso é complicado. Este governo tinha essa ideia de cultura comunitária muito aplaudida, mas, na hora de implementá-la, não tinha nem ideia de como nem do que seria. Estou agora participando de um grupo. Estamos pensando, de alguma maneira, que, no próximo governo, se ganhar MORENA [Movimento Regeneração Nacional], o mesmo partido, poderemos, agora sim, implementar uma cultura comunitária que tenha mais sentido [refere-se às eleições presidenciais de 2023]. Quando me perguntam o que fazer, eu digo: 50% de ações para crianças, como teatro, cinema, oficinas, tudo que for infantil, porque esse é o futuro, esses são os que serão. Isso é o México. 25% para cultura comunitária e 25% para todo o restante. Claro que todo mundo se aborrece porque eu não estou no governo. 50% para crianças e 25% para a cultura comunitária. Agora, é preciso entender o que é isso, se vem realmente de uma participação, de uma identidade das pessoas ou das organizações. Acho que este é o caminho, contra muitos. Agora há uma discussão forte no grupo artístico de teatro, que tanto necessita, um teatro que não tem sido comprometido socialmente, nesta cisão entre o teatro comprometido e o teatro pelo teatro, a arte pela arte. Cada vez mais estou mais longe da arte pela arte. Eu vinha daí, mas cada vez mais sinto que é vazio. Tampouco acho que seja inútil. Mas, em termos de política governamental, é o comunitário, como fator de desenvolvimento social, político, em termos de identidade, como um processo profundo, realmente de transformação comunitária. Mas acho que este governo não soube fazer isso. Em primeiro lugar, não tem pessoas capacitadas para fazê-lo. Em segundo, sofreu muitas pressões que não permitiram que fizesse. Parece-me que o governo está fazendo bem. Ou seja, sou morenista. Mas, claro, com uma visão muito crítica. Do neoliberalismo selvagem em que estávamos… É um neoliberalismo selvagem, não somente cultural, mas, claro, econômico e social… Para este que busca outra vez o coletivo… Parece que é mais importante o coletivo. Mas tampouco poderia opinar com dados. Algo que não fazem é dar informação clara. É muito difícil saber o que realmente está acontecendo.

Sharine: Estamos terminando. São perguntas que penso que são relacionadas. A primeira é sobre a precariedade dos trabalhadores da cultura. Eu, pessoalmente, penso que as bolsas são importantes, os editais são importantes, mas podem aprofundar o sentido da precariedade, porque os artistas trabalham por projetos, não têm previdência social, não podem se aposentar.

Tomás Ejea: Vou lhe enviar um artigo que acabamos de escrever sobre isso no campo da dança. É um artigo que uma colega e eu escrevemos sobre o campo da dança no México. Foi recusado em uma revista por causa do formato. Então, estamos submetendo a uma revista do Peru. É praticamente isso: como, no campo da dança, havia coletivos e como esses coletivos, a partir dos fundos, começaram a se transformar em pequenas empresas de indivíduos que contratam. Isso aumentou a precarização daqueles que participavam diretamente. Mas melhorou, de alguma maneira todo o setor porque, antes, somente três ou quatro tinham o dinheiro diretamente. Estou totalmente de acordo com você. Além disso, apresentamos, no campo da dança, como se transformaram esses grupos que antes eram companhias… Agora tornaram-se companhias, mas para editais, nada mais. Se, antes, havia um diretor artístico e certo orçamento, era por sua relação pessoal, como um funcionário, ou por seu prestígio. Quando chegaram as bolsas, o FONCA ou, neste caso, o Sistema Creación, a relação se perdeu. Por um lado, é democratizado, mas, por outro, tornam-se empresários e, então, já não importa o conteúdo artístico. O que importa agora é poder reproduzir a empresa como qualquer empresa pequena capitalista, que precisa de um produto para que se valorize e essa valorização permita que volte a investir e a ter outra sessão ou outra montagem. Então, individualiza-se. Tornam-se empresários e cai muito a qualidade artística porque o que lhes interessa é cumprir com a instituição, com seus projetos para que recebam as bolsas. É um individualismo. O que eu digo é que os fundos, essa é minha tese principal, são produtos do neoliberalismo, com todas as coisas boas que trazem, há um pouco mais de dinheiro… Mas, no fundo, geram uma forte individualidade.

Sharine: E uma concorrência [fala em português]…

Tomás Ejea: Em espanhol é competencia. Há um jogo com a palavra competencia porque não é somente algo que compete, mas algo que corresponde a mim, um atributo para fazer algo. As competências também são habilidades. Ou seja, a palavra tem os três significados. Não sei em português, mas, em espanhol, tem os três. É por isso que chamamos todos esses fundos de “concursáveis”. Portanto, isso gera competição, individualidade e canibalismo. Em outras palavras, o famoso canibalismo das artes é exacerbado. Pressionam em vez de irem todos juntos… Há uma concorrência terrível por bolsas, por fundos.

Sharine: Sim, mas isso funcionou no Brasil durante a Lei Aldir Blanc. Quando tudo começou a voltar ao normal, voltou também a concorrência pelos editais, pelo dinheiro. Eu acho que é um modelo que já está esgotado, mas não temos outro que seja melhor que este. Então, continuamos com ele.

Tomás Ejea: O comunitário. Bolsas, mas comunitárias. O grande problema, por exemplo, no México, com o FONCA, é como se concentrou na produção e na criação, não na geração de públicos. Eu acho que precisamos, agora, de fundos para a geração de públicos.

Sharine: Estou de acordo e era minha próxima pergunta. 61% e 59% dos mexicanos dos brasileiros nunca foram a um espetáculo artístico. São dados de 2010 [do México]. Não sei como está em 2022…

Tomás Ejea: São poucas as pessoas que frequentam. Eu fiz uma pesquisa sobre a exposição de Frida Kahlo. Era uma exposição massiva da Frida Kahlo, ou seja, as pessoas iam… Havia filas e filas na calçada do Bellas Artes.

Sharine: Esses dados são nacionais. Há cidades, no Brasil, que não têm um teatro…

Tomás Ejea: Mas eran filas e filas… Perguntei a procedência das pessoas. Vinham de outros estados. Nível de educação, profissão… Todos, 80%, 85% dessas filas e filas eram pessoas com estudo superior, incompleto ou completo. Então, apesar de estarem entrando duas mil, três mil pessoas por hora (era uma coisa impressionante, como nunca), todos eram desse pequeno estrato. Filas enormes de pessoas que vinham da província, de todos os lados. 20% da população em educação e em outros indicadores.

Sharine: Este gráfico é sobre frequência a museus. Os números brasileiros são muito mais altos. As pessoas não têm costume de ir aos museus.

Tomás Ejea: Agora que fui ao Brasil, me impressionou muito o museu de arte negra.

Sharine: No Parque do Ibirapuera? É o Museu Afro Brasil. É muito bonito.

Tomás Ejea: Muito interessante.

Sharine: Para terminar, eu queria falar sobre o que disse agora. Eu também acho que precisamos investir mais nos públicos.

Tomás Ejea: Não estou dizendo que os recursos não devam ser destinados aos artistas. Deve-se ampliar, deve-se destinar recursos aos artistas, selecioná-los melhor. Sou mestre em história da arte… Como se chama o museu que está na Avenida Paulista? O que está acima, o vermelho, que tem essa museografia…

Sharine: MASP.

Tomás Ejea: Levei um filho pequeno e disse-lhe: “aqui estão todas as obras que você quiser ver”. Todas juntas, misturadas. Alguns gostam disso. Eu lhe disse: “não pode ser. Tudo de uma vez? Não…”. Pareceu-me uma museografia horrível [risos]. Tudo está lá. Além disso, há coisas… No México, não temos tudo isso. Não temos Picasso. Não temos nada disso. Isso tem no Brasil, e tem tudo misturado, tudo junto. Quem inventou isso? Estou voltando ao tradicional porque essa museografia é uma novidade, é interessante, mas… Se vou ver um Rembrandt, que é meu pintor favorito, gostaria de sentar para vê-lo. Mas são gostos.

Sharine: É a proposta original do museu…

Tomás Ejea: Estou lhe dizendo em confiança, há coisas que não me agradam. Apesar de tudo, acabo sendo muito tradicional em algumas coisas.

Sharine: Para terminar, o que você pensa das eleições de 2024 no México, em relação às políticas culturais?

Tomás Ejea: Creio que a ideia é muito boa, a ideia de regressar ao comunitário ou de abordar o comunitário, mas é preciso entender com clareza o que é isso. É preciso ter uma política que permita que os conflitos políticos diretos não afetem tanto. Quando converso com os funcionários atuais, pessoas que estão há muito tempo na gestão cultural… Tiveram que retomar os quadros de antes porque não há… Uma das coisas que dizem é: “estão nos atacando muito, por todos os lados”. Não podemos fazer uma mudança porque o que todos querem é que as coisas se mantenham como estão. Não permitem.

Sharine: A sociedade? Os artistas?

Tomás Ejea: A sociedade não, porque não chega… Mas os outros grupos de interesse, os grupos políticos. Um exemplo é o FONCA. Tentaram fazer uma mudança no FONCA. Eu fiz uma proposta de atenção, mas era tanta reação, tão forte, que não houve possibilidade de mudar nada. Por isso, deixaram como estava. Esse é um exemplo. Então, enquanto não houver uma política cultural governamental mais ampla, mais clara e com maior peso político, será muito difícil fazer qualquer mudança. Mas o que está sendo feito agora é a implementação de muitos programas comunitários, entre aspas, que acabam não sendo comunitários, mas, outra vez, são como a prestação de determinados serviços. Agora, há projetos que algumas pessoas que estão informadas dizem que estão funcionando bem. Por exemplo, os FAROs [Fábricas de Artes e Ofícios] na Cidade do México, alguns estão funcionando muito bem.

Sharine: O que são FAROs?

Tomás Ejea: O FARO é anterior, do final do século passado. É uma coisa muito importante na política nacional. O outro, que foi implementado por Claudia Sheinbaum, a próxima presidente seguramente, chama-se Pilares. São os dois grandes projetos. Não são museus. A rede de FAROs da Cidade do México é um amplo programa cultural. São como grandes casas de cultura. Chamam-se Fábricas de Artes e Ofícios. Começaram com o de Oriente, com Iztapalapa. Há uma grande polémica, se funcionam, se estão funcionando. A pregunta é: o quanto são comunitários? Por exemplo, o FARO do Oriente foi aberto para que os jovens tivessem um lugar… E não! Foram apropriados pelas senhoras para dançarem salsa. Começaram a dançar e a fazer outras coisas. Por isso, é bem comunitário. Há toda uma polêmica sobre o quanto são comunitários.

Sharine: Obrigada!

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