Canclini na Cátedra

Entrevista com Alejandro Schwartz. Realizada presencialmente, em uma praça no centro de Xalapa (Veracruz, México), no dia 02 de março de 2024

Sharine: Para começar, gostaria de conhecer um pouco sua trajetória profissional.

Alejandro: Eu acabo de fazer 75 anos. Eu comecei estudando balé em Veracruz, no porto, aos 14 anos. Aos 17 ou 18 vim para cá, para Xalapa, para uma companhia da universidade. Mas logo foi suspensa. Então, o diretor nos disse que fôssemos para México, a capital, e lá entrei na Companhia Nacional de Dança. Lá começou minha trajetória. Fiz de tudo, cabaré, teatro musical, balé, claro, dança contemporânea. Vivi um ano no Brasil, seis meses em São Paulo e seis meses no Rio de Janeiro.

Sharine: Então você fala português?

Alejandro: Mais ou menos. São tantos os sotaques e o país é tão grande… Fui fazendo El Hombre de la Mancha. Estive em São Paulo, no Teatro Anchieta e, depois, no Rio de Janeiro, no Edifício da Revista Manchete. Abaixo havia um teatro, o Teatro Adolfo Bloch. Logo voltei ao México, me fartei do teatro musical e vim para Xalapa. Estive na companhia da universidade e fui da equipe fundadora da Faculdade de Dança. Desde então, comecei a combinar as duas coisas, como bailarino, como coreógrafo, como professor e, depois, como funcionário. É, mais ou menos, em termos gerais, minha trajetória.

Sharine: E como funcionário…

Alejandro: Bom, por duas vezes fui diretor da Faculdade de Dança, fui diretor da Escola Nacional de Dança, fui diretor do Centro Veracruzano de Artes e do Centro Cultural Atarazanas. Depois vim para cá e, brevemente, estive encarregado da cultura do município, mas por menos de três meses. Eu disse: “não, chega”. Foi meu canto do cisne como funcionário. Mas me mantenho sempre na expectativa dos movimentos: como estão, o que os grupos fazem, o que as pessoas fazem? Não somente os bailarinos, mas o que fazem os artistas em geral.

Sharine: Sim, é isso que me interessa. Eu tenho um roteiro, mas não vou usá-lo. Acho que há outras coisas para conversarmos. Eu estudo uma lei, não sei se conhece, que se chama Lei Aldir Blanc, no Brasil. Vou falar um pouco sobre ela. Estávamos no Governo Bolsonaro, que foi um governo de direita e muito conservador no Brasil. Estes são os gastos federais com a cultura, somente para que você saiba que estavam caindo. Em 2020, na pandemia, tínhamos orçamentos federais para a cultura muito baixos no Brasil. Havia um ataque também a leis que são importantes para a cultura. Então, um grupo de artistas, de deputados, de senadores, articulou-se em rede, em um movimento popular, da sociedade civil, para uma lei de emergência que foi descentralizada. Não foi somente uma lei de emergência, também foram desenvolvidos projetos, recebiam recursos para a manutenção dos centros culturais, tudo isso. Foi uma lei tão grande que duplicou o orçamento federal para a cultura no Brasil nesse período. Somente para comparar, esse é o orçamento do México e este é o do Brasil, o orçamento federal para a cultura. Mas, com a Lei Aldir Blanc, o orçamento foi mais alto no Brasil. Veja o salto com a Lei Aldir Blanc. Agora temos duas novas leis, que também são descentralizadas no Brasil. Então, o Governo Federal repassa o dinheiro para os estados e os municípios para que façam ações locais e sempre com o apoio da sociedade civil, com os conselhos, os fundos de cultura e tudo isso. Gostaria de compreender como os movimentos sociais do México pensam essa questão das políticas para a cultura…

Alejandro: Veja, é complicado e, ao mesmo tempo, muito simples. No início deste milênio, foi publicado no México um livro de George Yudice, sobre a cultura, e falava de uma quantidade de iniciativas e de projetos em distintos lugares do país. Falava-se muito desta questão de utilizar os impostos para financiar movimentos culturais. Algo similar começou a ser feito no México, mas acho que, no México, foi muito afetado pela corrupção. As iniciativas legais e outras são muito semelhantes, mas as pessoas roubam o dinheiro, por um lado. Por outro lado, os artistas, acho que fecharam os olhos para as possibilidades de financiamento através de esforços próprios e basearam-se muito mais nos apoios governamentais. Mas este país é muito grande. Também há muitos artistas. Evidentemente, o dinheiro não é suficiente para todos e disputam entre si. Eu acho que tem sido algo planejado pelo governo, pelo sistema, a extrema fragmentação. Então, os incipientes esforços dos setores se desagregaram a partir da década de 1990, de modo que, ao entrarmos no novo milênio, acentuou-se muito mais. Agora há um problema, um impasse entre o conceito do governo de apoiar a cultura, mas a cultura é um termo muito amplo e, em boa medida, com o pouco dinheiro que há, porque é pouco, apoiar as iniciativas comunitárias. Os artistas da elite vêem como algo ruim: “como vão deixar de nos atender”. E disputam seriamente. Tento abordar esses dilemas com meus alunos, mas vejo que o movimento em geral, no país, vai por esse lado. Por exemplo, mudou a administração municipal em Xalapa e a atual Diretoria de Cultura do município comporta-se de maneira muito tradicional. Quer dizer, oferece dinheiro para sessões, programa os teatros. Mas monta a programação com as mesmas pessoas. Dá pouca atenção a isto, mas há casas de cultura comunitária nos cinturões marginais da cidade. Quase tudo se concentra no centro histórico. Em consequência, há muitos artistas, há pouco dinheiro e isso favorece muito a corrupção. Dou o exemplo do município, mas acho que podemos estender a todo o país. A eles interessam muito os números.

Sharine: Como?

Alejandro: Foram 877 apresentações para 1500 espectadores… Mas não há uma avaliação qualitativa. Por exemplo, no ano passado eles apresentaram uns gráficos verdadeiramente aterradores de tudo o que os artistas haviam feito durante o confinamento da pandemia. Afetou muitíssimo a todos. E havia pessoas que propunham que o governo lhes desse dinheiro. Como pensam que o estado vai mantê-los? Precisamente o confinamento impedia, se é que havia algum interesse nisso, o confinamento os impedia de sair e buscar fontes de trabalho. Acho que a resposta está aí. Uma vez falei com pessoas da cultura, do governo federal e outros, e eles diziam: “demos tantas sessões para eles. Lembram-se de tantas pessoas?” Eu disse: “sim”… Veja, quando eu estava em Veracruz, lembro-me muito claramente que fizeram um informativo que dizia: “quem sabe quantas apresentações de livros, o que haviam assistido, quem sabe quantas pessoas?”. Eu vi e disse: “eu sei, porque estava lá, que em cada apresentação de livro havia entre trinta e quarenta pessoas”. Claro que a soma dos mesmos trinta ou quarenta, não é verdade? Mas, em termos do informativo, 1500 pessoas assistiram. Quer dizer que o esforço do governo atendeu a 1500 pessoas? Não, pois eram os mesmos, apenas multiplicados por reincidentes. Então, quando vi, eu disse: “não, pelo menos há pessoas que veem como eu”. Mas acho que o que aconteceu em Xalapa e no porto de Veracruz acontece em todo o país. São muito poucas as iniciativas que falam da cultura de paz, muito poucas as iniciativas de teatro comunitário, por exemplo. Há um caso muito repercutido aqui… Estou falando de cinquenta anos ou mais… Havia uma fábrica de fios e de tecidos logo adiante de Coatepec. A fábrica de fios e de tecidos tinha um grupo de teatro. As mulheres trabalhadoras se organizavam, tinham ensaios todos os dias. Então, faziam uma escala e a cada dia uma mulher se encarregava de todas as crianças. Iam mudando e isso permitia que as outras mulheres fossem aos ensaios. Como consequência, o sindicado de trabalhadores da fábrica era muito forte. A fábrica fechou. O sindicato fechou. Fragmentou-se a solidariedade das mulheres e o grupo de teatro comunitário desapareceu.

Sharine: Que pena!

Alejandro: Terrível! Parece-me terrível, mas muitas pessoas dizem “ah, ah”… Pois aconteceu. Eu acho que é algo que deve ser lembrado na história da região. É muito importante. Tanto em Xalapa como em Veracruz, como em praticamente todo o país, há pouco esforço para financiar, para fomentar e, como consequência, para fortalecer os movimentos do teatro comunitário. E não diga: “bom, as danças populares tradicionais existem”. Mas existem por si só e, em geral, são feitas uma vez por ano. Os grandes balés folclóricos vão à Europa, mas com uma versão muito de espetáculo. Não digo que isso seja ruim, mas que deve ser definido como outra coisa. Não é a dança tradicional, não é o fenômeno ritual popular, mas uma reelaboração para a cena. Como consequência, as danças populares existem, mas são realizadas uma vez por ano na festa do santo padroeiro, no carnaval… Muito diferente do carnaval de lá.

Sharine: Do Brasil…

Alejandro: Uma vez trouxeram pessoas da Bahia, do Olodum. Uns negros grandões que esquentavam os tambores. Mas o carnaval de Veracruz vai fazer cem anos. Iniciou em 1925 por razões econômicas porque acabava de terminar a revolução, todo mundo tirava pela alfândega do porto o dinheiro que entrava. Os comerciantes estavam muito preocupados porque não ganhavam. Então, disseram: “vamos inventar algo”. “Ah, pois é uma festa que já existe, o mundo ao contrário e tudo isso. Vamos fazer o carnaval”. Então o carnaval foi consolidado por razões fundamentalmente econômicas. Hoje é cada vez menos popular e muito mais turístico. As pessoas ingerem muito álcool, as pessoas não dançam porque o concurso é feito antes do desfile de carnaval. É bonito ver como, em cada bairro, agora quando refresca, começam a sair às ruas e a ensaiar. Mas, quando o carnaval acontece, participam do concurso dentro de um grande ginásio que tem capacidade para cinco mil espectadores. Lá dançam, mas nos desfiles não. Por quê? Porque as pessoas estão muito alcoolizadas. Chegam de todo o país, bebendo álcool, não se importam muito em ver a coreografia, ver as companheiras e outros, como acontece no Brasil, com as grandes escolas de samba. São dez mil participantes em cada escola de samba. E, por isso, ensaiam o ano todo e dançam muito bem e há os vestuários, os destaques e os carros alegóricos, a bateria, formados por cento e tantas pessoas…

Sharine: Sim, mas isso acontece em São Paulo e no Rio de Janeiro. Em outras cidades menores, não. O carnaval da Bahia é diferente…

Alejandro: Os carnavais no México existem em Veracruz e em Mazatlán. No estado de Veracruz foram feitos alguns semelhantes. Foi criado o Carnaval de Coatzacoalcos, que imita o de Veracruz. Má sorte. Aqui em Xalapa fizeram, mas desapareceu porque não permitem. A cidade é muito pequena. Quando construíram o circuito, o carnaval era feito lá. Então os vizinhos começaram a reclamar. Porque se bebe tanta cerveja que… Mas não havia banheiros públicos. Então as pessoas começaram a reclamar e a programação foi encerrada. Agora mudaram de data. Já não é quando marca a liturgia católica. Mudaram para o verão porque é quando há férias escolares e as pessoas podem vir de outros lugares… Pensando nas entradas dos hotéis, os restaurantes, as cervejarias. Como uma manifestação cultural de tanta força se transformou de maneira realmente radical para o meu gosto? Eu sou de Veracruz, nasci lá. Para o meu gosto, é lamentável. Ainda me sinto tocado. As senhoras costuravam os vestuários para sair disfarçadas durante o carnaval. Já não fazem isso. E, além disso, agora os carros alegóricos são institucionais ou das cervejeiras, com caixas de som com um ruído tremendo. Antes eram conjuntos ao vivo que iam tocando e as pessoas dançando. Houve um tempo em que foi feito um convênio entre Veracruz e Rio de Janeiro, acho. Estou falando de cerca de quarenta anos. Estavam na moda os tamancos de madeira do Dr. Scholl. Então, conjuntos de cem ou duzentos bailarinos com os tamancos, que faziam “crá, crá, crá”…  Era muito bonito. Mas o convênio sobreviveu por muito pouco tempo.

Sharine: Que pena.

Alejandro: Isso desapareceu. Então, o que eu lhe digo: as companheiras, tudo isso não existe. O que existe, sim, em muitos lugares da República são os carnavais indígenas.

Sharine: Que interessante. Como é? Não conheço…

 Alejandro: É de caráter ritual. A dança faz parte do fenômeno, não é o motivo central. Por exemplo, em Nayarit, os coros fazem um ritual que é a dança do peiote [alucinógeno]. Usam o peiote e alucinam. Fazem uma dança ao redor do fogo, muito simples, mas muito importante para eles porque estão convencidos de que, se não fizerem essa dança ao redor do fogo, que representa o sol, o mundo vai acabar. Então, eu acho que a cultura comunitária é muito importante, mas acontece nas comunidades indígenas. A classe média, e estou falando muito claramente da classe média, no caso jalapenha y portenha de Poza Rica e de Coatzacoalcos, tende a tentar importar e reproduzir fenômenos artísticos que são conhecidos, e agora mais facilmente, porque existem na Europa. Eu tento combatê-los com meus alunos, mas tenho dez, quinze alunos. Eu falo: “jovens, por que não investigam um pouco de tudo o que há no estado de Veracruz? Deixem de pensar que ‘na Alemanha estão dançando de salto alto’”. Digo: “Eu vi danças com os gregos, em uns coturnos mais altos que os saltos, e fazem isso há uns 2.200 anos…” Mas estão acompanhando muito o que acontece na Europa para copiar. Como consequência, veja, aí em frente há uma sala de exposições. Este é um museu nada mal que fala sobre como era uma casa na Xalapa tradicional. Há uma quantidade de centros culturais em Xalapa, em Veracruz, mas que tentam reproduzir os modelos norte-americanos e europeus. Por exemplo, há muito poucos museus comunitários em todo o estado de Veracruz. Eu não sei se você tem informações de outros lugares. Em outros estados, há, mas o consumo popular é muito reduzido. Por exemplo, sei que, lá no Norte, em Tecolutla, eu pude ver, há um museu comunitário do tubarão. Há um tubarão branco enorme. Um tubarão branco, de dez metros. Ali têm o tubarão dissecado e presas e um monte de coisas. Como é uma comunidade de pescadores, as pessoas foram colocando as coisas lá. Mas isso é mínimo. Eu acho que deveria haver muito mais espaços assim, mas o estado teria, não que financiar, obviamente, porque não conseguiria (como eu dizia, o dinheiro…), mas sim apoiar, incentivar, assumir a batalha contra os artistas de elite. É custoso dizer, mas tenho que reconhecer. Meus companheiros, bailarinos, atores, cantores, músicos, compositores, coreógrafos, todos aspiram a uma grande companhia. No tempo em que estive aqui na Diretoria de Cultura do município. Não vou dizer seu nome… Um célebre diretor de teatro apresentou um projeto e o prefeito me disse: “revise o projeto de fulano”. “Ah, já revisou?” “Eu revisei”. “O que ele quer?” Disse: “quer 20 milhões de pesos”. “Como?” “Pois ele quer que financie uma companhia de teatro?” “Não, pois não temos esse dinheiro” [risos]. Ele acabou de morrer, agora em dezembro. Tocava blues, tocava aí pela rua. Uma quantidade de pessoas enviou projetos. Todos queriam, claro, formar uma pequena orquestra e, também, queriam 20 ou 30 milhões de pesos… Uma mulher, também não vou dizer seu nome, queria que financiassem uma companhia de dança contemporânea. Eu lhe disse: “era o que eu mais queria, imagina, esse é o meu negócio”. Mas eu sei que custa muito porque é preciso juntar pelo menos dez bailarinos, e são poucos se comparar com Jiří Kylián, com a Companhia Nacional, com tal, tal, tal… Estamos falando de conjuntos de cinquenta ou sessenta bailarinos. Os teatros municipais do Rio de Janeiro e de São Paulo têm um monte de bailarinos, salões, teatros e outras coisas. Custa muito dinheiro, mas as pessoas querem isso e, então, isso produz esse “tique”, eu lhe digo, entre a cultura para as classes populares, as manifestações artísticas das classes populares contra a cultura e as manifestações artísticas da classe média e, o que é pior, dos artistas.

Sharine: O que você pensa do programa de Cultura Comunitária do governo federal?

Alejandro: Eu digo que este governo federal colocou muito mais ênfase no conceito de cultura que inclui a cultura comunitária. Mas os artistas de elite protestaram, disseram “não, não, não”. E, por isso, tiveram que desfazer o FONCA, o Fundo Nacional para a Cultura e as Artes, que era uma espécie de National Endowment for the Arts. Este governo federal o eliminou, o transformou. Mas lhe custou muito, muito trabalho e não sei o quanto o transformou porque vejo que as pessoas seguem sendo o livro de Tomás Ejea [risos]. Uma vez, disseram no Facebook: “Leiam o livro de Ejea”. Disseram: “Não, porque já está desatualizado”. Como está desatualizado se foi publicado há seis, sete anos? Digo, a situação segue sendo a mesma. O livro de Tomás Ejea nos fala precisamente da rede dos mesmos professores, que depois são jurados e premiam seus alunos, depois os alunos são jurados e premiam os professores e aí vai. Converte-se em um círculo vicioso. Então, as iniciativas do governo não estão sendo bem-vistas. Vamos ver o que acontece agora com a mudança…

Sharine: Sim, essa era outra pregunta: o que você pensa sobre as eleições que vão acontecer?

Alejandro: Bom, eu acho que o governo federal tem muita razão, mas não é fácil aplicar as decisões. Por quê? Porque estamos falando sobre combater coisas que funcionam há anos. Você sabe que, desde o famoso estado napoleônico, é o governo que financia a cultura, embora, por exemplo, na França tenha surgido o conceito de Casa de Cultura, de acordo com André Malraux. Não davam dinheiro diretamente, mas davam uma parte e havia mecanismos de autofinanciamento. Mesmo assim, as pessoas não veem.  Então, estamos falando de mais de cem anos dos artistas aspirando a ser financiados pelo governo.

Sharine: E a iniciativa privada no México? Não investe nas artes?

Alejandro: Não. Eu, há pouco tempo, escrevi um artigo sobre os teatros em Xalapa, Veracruz e no estado. Mas há uma conclusão que não coloquei lá: não são construídos teatros novos com todas as leis. Por quê? Porque não há quem invista na construção de teatro. Por que não investem? Porque não há um público que vá consumir o produto artístico.

Sharine: Mas investem nos projetos?

Alejandro: Investem em outras coisas, claro…

Sharine: Em projetos artísticos?

Alejandro: Menos em arte… Veja, lá em Veracruz… Eu sou muito inclinado a esse tipo de coisas porque acho que devemos ir por esse caminho. Então, chegaram pessoas da Volkswagen. Alguém viu uma coreografia que eu fiz, muito portenha. Disseram: “essa coreografia nos interessa para a apresentação no novo modelo da Volkswagen”. Eu disse: “Ah, sim, custaria tanto”. Disseram: “Ah, como? É uma academia de dança?”. Eu disse: “não, não é uma academia de dança. É um grupo profissional de dança”. “Bom, deixe-me consultar”. Nunca retornaram. Soube que contrataram uma academia, que chegaram unas meninas, fizeram… Você percebe? Então, com o pouco dinheiro que há, se você chega a convencer alguém, investem. Alguém me disse que, uma vez, convenceu pessoas de uma agência de carros que iria doar, a quem comprasse um carro, um quadro de um artista veracruzano. Mas o dono da agência teve a ideia de oferecer também um seguro. Então, diziam: “o que você quer? O quadro ou o seguro”. Pois as pessoas pediam o seguro. Então, os quadros dos artistas ficaram e não puderam nem ser usados como presente. As pessoas preferiam dinheiro. Por isso, não são construídos novos teatros. Por exemplo, este teatro Juan Herrera tem quantas cadeiras? 180? Algo assim? Não lota. Depois anunciam a pré-venda e não sei o que. Não lota nem com cortesias.

Sharine: E como vivem os artistas? Vendem ingressos? Fazem outras coisas?

Alejandro: Fazem outras coisas. Tem outros empregos, basicamente. Significa que há as escolas de arte oficiais da universidade e as pessoas saem com seu esplêndido título, mas trabalham em qualquer outra coisa. O título serve para exercer uma espécie de hobby porque a dança, a música, o teatro, o que quer que seja, são hobbies. Por quê? Porque são feitos de maneira realmente gratuita. Estamos apenas falando dos últimos anos, quando começamos a ver por aí alguma galeria privada. Mas é pouco tempo, se olharmos com a perspectiva histórica. Então, as iniciativas do governo federal têm que arcar com tudo.

Sharine: Claro. E a relação do público? Eu penso que, no Brasil, também, como estou percebendo aqui, o trabalho artístico não é muito valorizado, é como se não fosse um trabalho. Então, as pessoas vão ao espetáculo se for gratuito, por exemplo, ou se for um espetáculo internacional, se tiver um apelo mais comercial…

Alejandro: Veja, por exemplo, anunciam que vem um desses balés pseudo russos para apresentar o Lago dos Cisnes, ingressos a 900 pesos, as pessoas pagam e quase lota um teatro com 1.150 lugares. Há um monte de grupos de teatro, de dança, com gostos musicais muito bons, que anunciam e o teatro não lota. Por quê? Porque as pessoas não compram ingresso, compram o Lago dos Cisnes. Há uma orientação ideológica para consumir certo tipo de produto artístico. Por isso, falo muito das classes médias e dos artistas de elite, porque o consumo do produto artístico está limitado a essa compra de ingressos que muito poucas pessoas têm dinheiro para fazer. Ainda mais que têm a visão e o gosto para consumir. Bom, pois há o cinema VIP… Acho muito engraçado porque, originalmente como bailarino, coreógrafo, mas envolvido em todas as partes, eu consumo muita arte, vou a sessões de teatro, vou ao concerto. Chama minha atenção ver tudo isso. Quando eu lhe digo é porque vi que os teatros não enchem. E há bons grupos de teatro, mas as pessoas não vão. Há muito bons músicos, mas as pessoas não vão. Há bons bailarinos e boas obras coreográficas e as pessoas não vão. Vão os amigos, vai a avó ver a neta. Mas não vão pessoas que pagam.

Sharine: Ou as pessoas de teatro vão ver o teatro, as pessoas de dança vão ver a dança…

Alejandro: No melhor dos casos. Mas veja: há um dramaturgo mexicano muito famoso que morreu há uns dez anos. Pouco antes, talvez uns seis anos antes que morresse, ele foi trazido à faculdade de teatro. Anunciaram que daria uma palestra em um sábado ao meio-dia. Eu disse: “vou”. Víctor Hugo Rascón Banda. Cheguei e havia uma mesa na qual havia algo como sete ou oito alunos, alguns professores da faculdade e eu. Eu pensei, até cheguei correndo porque disse: “vai lotar, pois vem Víctor Hugo Rascón Banda”. Não, eu lhe digo que havia algumas pessoas. O professor, já próximo de morrer, disse coisas muito importantes. Na verdade, apresentou sua experiência de vida e tudo nessa palestra, mas não escutaram. Você vê? Então, no melhor dos casos, os bailarinos vão ao concerto, os músicos vão, mas é muito relativo. Por exemplo, há um grupo de música antiga muito bom. Tocam saltarello, tocam um monte de coisas da idade média. O conjunto se chama Corazón con Mano. Há cerca de quinze dias, deram um concerto aqui no Centro Recreativo, que é um pequeno teatro para quarenta espectadores. Pois não estava cheio. Não estava cheio e são muito bons. Eu gosto. Até comprei discos. Gosto dessa música e tocam muito bem instrumentos tradicionais junto com atuais e outros. É muito bonito, mas as pessoas não vão. Pois agora você me diz, o que teríamos que fazer para combater tudo isso? É uma forte luta.

Sharine: Era minha última pregunta. Gostaria de saber o que você acha que o governo, a sociedade civil podem fazer para melhorar…

 Alejandro: Eu acho que o governo teria que acentuar suas iniciativas, doa a quem doer. Mas são batalhas muito fortes. Eu acho que a tendência deste governo vai por aí, mas será muito difícil porque a oposição, a direita e a ultradireita mexicana são muito fortes. Às vezes acho engraçado porque vejo que os artistas nem se dão conta. Em 1978, alunos da escola de teatro chegaram às manifestações. Foram se apresentar na rua. “Ah, que bom”. E depois se deram conta de que foram levados por pessoas do MURO, o Movimiento Universitario de Renovadora Orientación. Era um grupo paramilitar vindo da Espanha… Fascistas… Deram-se conta de que iam fazer apresentações de teatro e quem arrecadava o dinheiro eram essas organizações… Há cinquenta anos, não? Mas continua sendo verdade que as pessoas não se dão conta de tudo isso. Então, é muito importante tudo isso que você está fazendo, é muito importante socializar os livros, socializar o pensamento e devemos continuar convertendo.

Sharine: Sim, muito obrigada.

 

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