Canclini na Cátedra

Entrevista com Adriana Malvido. Realizada presencialmente, em um café em Coyoacán, Cidade do México (México), no dia 22 de fevereiro de 2024

Sharine: Muito obrigada por conversar comigo. Antes de começar, gostaria de conhecer um pouco melhor seu trabalho. Já li muitas coisas, mas você poderia falar um pouco sobre sua trajetória profissional, pessoal…

Adriana: Este ano farei aniversário como jornalista cultural. Digo cultural porque tem sido uma especialidade. Jornalista é jornalista de tudo, não? Estive em Unomásuno. Depois fui fundadora do periódico La Jornada. Estive lá durante quinze anos. Estive no grupo fundador e, também, como acionista. Durante esses quinze anos, fiz reportagens investigativas. Antes, cobri artes plásticas, pintura, escultura, arquitetura. Sempre me interessou a relação de tudo isso com a sociedade. É algo muito vinculado ao momento social. Estivem em La Jornada e muitas reportagens especiais se converteram em livros.  Bem, não muitas… Algumas reportagens se converteram. Um deles é Atlas de Museos de México. Tenho um que é a biografia de Nahui Olin. Um é a biografia de Guillermo Arriaga, um bailarino e coreógrafo mexicano. Um que, para mim foi importante, chama-se Por la Vereda Digital. Foi como registrar em um livro, que é uma reportagem de fundo, o impacto das novas tecnologias da época. Começava a internet, começava a realidade virtual, o correio eletrônico. Como isso impactava a sociedade, a vida cultural, os artistas? Depois, saí daí. Fui freelance. Em seguida, ingressei no periódico Milenio. Mas, antes disso, fiz dois livros, que são: La Reina Roja, el secreto de los mayas en Palenque, sobre um sítio arqueológico maia muito importante, em Palenque, onde estive. Estive quando abriram um sarcófago muito importante de um personagem, que não se sabia quem era e, depois, soube-se que era a esposa de Pascoal, o principal governante dos maias em Palenque durante o período clássico. Foi uma experiência maravilhosa. Fiz um livro sobre isso e outro para crianças sobre isso, que se chama La noche de la Reina Roja. Depois fiz outro sobre Orozco, que é um pintor mexicano, com umas cartas que apareceram, cartas de amor a uma menina. Então, escrevi: El joven Orozco, cartas de amor a una niña. Estive no jornal Milenio por dez anos. Escrevi coluna, como colunista, sempre associando meus textos a políticas culturais. Passei dez anos lá e, agora, desde 2017, tenho minha coluna na seção cultural de El Universal. Meu livro mais recente se chama Intimidades más allá del amor. Fiz entrevistas com casais de artistas. Não é um livro sobre o amor, digamos. É um livro que explora como funciona a criatividade em casais. 

Sharine: Que interessante.

Adriana: Para mim é fascinante. Fiz umas quarenta entrevistas com Christa Cowrie, uma fotógrafa mexicana muito boa. Fizemos quarenta, selecionamos dez e publicamos esse tomo há um ano e meio. Foi muito interessante. Também colaboro com o suplemento Confabulario. Trabalhei na revista Universidad. É um pouco, em linhas gerais, minha trajetória. Basicamente, sou jornalista e, também, escrevo livros. Me interessa fazer investigação. Gosto muito do jornalismo de investigação e daí saíram, basicamente, todos os meus livros porque acredito que é muito necessário, apesar de todas as dificuldades que há agora para os meios onde tenho trabalhado, para os suplementos culturais.

Sharine: Eu sou formada em comunicação social, mas, desde 2008, trabalho na Fundação Nacional de Artes, que é uma entidade vinculada ao governo brasileiro, ao Ministério da Cultura. Fazemos a gestão de dois espaços culturais em São Paulo. Também contribuímos com os editais, com os prêmios, com tudo isso. Eu trabalho com o Prof. Néstor García Canclini desde 2020, quando começamos uma pesquisa na Cátedra Olavo Setubal de Arte, Cultura e Ciência da Universidade de São Paulo, no Brasil. Também recebi uma bolsa do governo de São Paulo, no ano passado para me dedicar exclusivamente à pesquisa. Por isso, estou aqui. Meu trabalho é sobre a Lei Aldir Blanc, no Brasil, mas também estou comparando com as políticas culturais mexicanas porque, claro, o Prof. Néstor trabalha aqui no México. Também porque há semelhanças entre os dois países. Bom, você já conhece um pouco da história do Brasil… Tivemos um governo conservador desde 2019. Em 2020, houve a pandemia e os artistas não tinham nada. Não tinham como trabalhar, com os espaços culturais fechados. Os orçamentos para a cultura caíram no Brasil desde 2013, 2014. Esta é a porcentagem da função cultura no orçamento do governo federal brasileiro.

Adriana: Caiu, não?

Sharine: Sim, caiu. Estávamos nesta situação em 2020. Não tínhamos quase nada de orçamento para a cultura. Para comparar com outras áreas do governo federal, estas são saúde e educação. Veja como caiu o orçamento para a cultura no governo federal.

Adriana: 0,1% do PIB?

Sharine: 0,1% do orçamento do governo.

Adriana: É onde estamos também.

Sharine: É muito baixo. Mas vou falar sobre isso mais tarde. No México, esse orçamento é maior do que no Brasil. Como você leu no livro Emergências Culturais, tivemos uma grande manifestação popular no Brasil. Esta é uma tela do YouTube com os encontros realizados para criar uma lei para a cultura. Foi tão importante no Brasil que agora temos duas outras leis, que foram inspiradas por essa e que estão mudando o sistema de cultura federal brasileiro. Aqui você tem o orçamento mexicano e o orçamento brasileiro. Mas, com a Lei Aldir Blanc, isso mudou.

Adriana: Veja!

Sharine: Sim, aqui, é maior do que no México. Depois cai novamente. Mas agora está maior, com as duas novas leis, que se chamam: Paulo Gustavo e Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura. O orçamento do Ministério da Cultura também é maior agora. Li um pouco sobre as políticas culturais mexicanas, o FONCA [Fundo Nacional para a Cultura e as Artes], que não existe mais, o CONACULTA. Também sobre os movimentos, como o #NoVivimosDelAplauso, que estão acontecendo aqui. Gostaria de saber o que está acontecendo com os movimentos sociais e culturais mexicanos e como eles veem as políticas culturais do país.

Adriana: Vou contar um pouquinho a história da minha perspectiva. Durante setenta anos, tivemos o governo PRI [Partido Revolucionário Institucional], como você sabe.  Pois ele criou a infraestrutura, digamos, por exemplo, de museus. Era como um grande governo e um grande estado… O que me tocou como repórter no início da minha profissão, no final dos anos 1970, início dos anos oitenta, era o uso da cultura para a política. Grandes museus, grandes inaugurações, eram exposições internacionais. Mas quero falar sobre o contraste com o que há agora. Vinham para cá Leonardo da Vinci, os cavalos de Viena. Era muito espetacular. Isso importava aos governos. Era como levar, digamos, como embaixadora, a arte mexicana para o mundo. Iam grandes exposições ao exterior. Depois, isso foi mudando. Criou-se o CONACULTA [Conselho Nacional para a Cultura e as Artes], com Carlos Salinas de Gortari. O CONACULTA, depois, se converteu na Secretaria de Cultura. Em parte pela pandemia, em parte por uma política cultural que, do meu ponto de vista, não aprecia o valor da cultura realmente, da cultura em geral. Depois do PRI, veio o governo do PAN [Partido de Ação Nacional]. Também não posso perder isso. Vem o PAN e cria a Secretaria de Cultura. Basicamente são as mesmas pessoas. Por exemplo: Rafael Tovar y de Teresa [Foi presidente do CONACULTA entre 1992 e 2000 e entre 2012 e 2015. Também foi Secretário de Cultura durante o governo de Enrique Peña Nieto]. Estava com o PRI e, depois, com o PAN. São as mesmas pessoas. Com o MORENA [Movimento Regeneração Nacional], sim, há uma mudança. Há uma mudança muito importante, muito marcada, que levou a operar com bisturi, senão com guilhotina, a cortar, a retalhar, o FONCA, sobretudo com esse ponto de vista. Quis fazer uma política muito mais dedicada às culturas populares, às culturas originárias. Essa mudança provocou uma precariedade na vida dos artistas. Por exemplo, durante a pandemia, foi terrível, não? E ainda continua. Nesse sentido, é muito triste como as instituições culturais não pagam a tempo. As instituições têm muito pouco orçamento, embora pareça que tenham muito. Não têm. O que acontece é que o orçamento para a cultura, uma quarta parte desse orçamento está indo para megaprojetos faraônicos, digo, como Chapultepec: Naturaleza y Cultura. Então, é uma mudança. Não houve uma depuração final, de ver o que funcionava e que o estado manteria. Mas quiseram ser tudo ou nada. As artes, por exemplo, são consideradas de elite. Há esse preconceito. Eu acredito que seja mais um preconceito do que outra coisa. É preconceito ideológico. O projeto Chapultepec: Naturaleza y Cultura é só um exemplo. É um grande parque. Mas, outra vez, é muito parecido com o PRI. Por isso, estou insistindo: é o maior parque do mundo. Por que deve ser grande? De novo, na Cidade do México quando, nos estados, faltam bibliotecas, falta infraestrutura cultural que realmente possa funcionar de maneira sustentável. Há museus, mas muitos estão sem recursos. Todos esses recursos vão ao projeto de Chapultepec, para criar mais museus onde já havia. Dezesseis museus, doze a mais, como se fizessem por fazer, construíssem por construir. Há um afã por obras, que é a mentalidade do PRI também. O que não se vê não importa. Voltaram-se aos projetos, voltaram-se às culturas populares. Creio que com outro discurso, um discurso muito polarizado sobre as culturas populares, como se dissessem: “agora é com vocês”. Mas realmente os orçamentos vão para os megaprojetos, ao Tren Maya, ao projeto de Chapultepec, centralizado. Do meu ponto de vista, cortaram os laços com o anterior, que chamam de neoliberal. Acabaram as bolsas, há um sistema distinto, com outro nome. Mas não pagam no prazo. Tem sido bastante desordenado, muito desrespeito aos artistas, aos criadores e aos trabalhadores da cultura.

Sharine: Foi o que aconteceu com o governo Bolsonaro, no Brasil. Mas aqui é de esquerda e, no Brasil, era um governo de direita.

Adriana: Acredito que não seja de esquerda. É um discurso aparentemente de esquerda, mas realmente não acredito que seja de esquerda um governo que não aposta de verdade, um estado que não aposta de verdade em cultura, que no fundo é muito conservador. Por exemplo, editoras como o Fondo de Cultura Económica, quiseram transformar em algo de livros que sejam baratos para as pessoas. Mas a vocação do Fondo de Cultura Económica era outra. Era publicar pensadores de todo o mundo, acadêmicos. Começaram com economistas, em seguida com ciências sociais. Agora se chamam Vientos del Pueblo. Acredito que seja um discurso muito priista, disfarçado de política de esquerda.  Tem sido uma grande questão para mim. Muitas pessoas de esquerda que votaram no MORENA estão decepcionadas. É isso que vejo como jornalista. Há desmantelo, tem sido uma política cultural de desmantelamento. Chamam transformação. Mas tem sido um desmantelamento de instituições que já funcionavam. Não sei se é outra pergunta, mas há algo importante: no México, nos acostumamos que o estado seja tudo. Acho que há pouca participação de iniciativas privadas.

Sharine: Era outra pergunta. Mas podemos falar sobre isso. No Brasil também, nem todos os artistas têm acesso aos editais públicos. É muito difícil ter acesso a isso. Por outro lado, quase não há investimento privado em cultura. Temos uma lei, não sei se você a conhece. Chama-se Lei Rouanet. É uma lei de incentivo fiscal. As empresas deixam de pagar imposto para o governo e investem em cultura. Mas é dinheiro público, não é dinheiro privado. Elas fazem propaganda com isso. Escolhem os melhores projetos, aqueles que têm mais visibilidade para as empresas. Então, existe esse problema no Brasil. Quando os fundos para a cultura são retirados, muitos artistas não têm como recorrer a outras formas de investimento. Como isso acontece no México?

Adriana: É preciso ver o contexto também. A Lei de Austeridade deste governo foi publicada em 2020, em plena pandemia. Reduzem as instituições, os gastos operacionais em 75% em todas as instâncias do governo. Isso afeta muito. Há, por exemplo, os arqueólogos, o INBAL [Instituto Nacional de Belas Artes e Literatura], os meios ambientais, que para o governo também não importam muito. Não vamos separar um do outro. Mas não têm recurso para gasolina… Realmente, há uma crise de precariedade operacional. Então, sim, há participação, mas é muito pouca em relação ao tamanho do país e o tamanho do capital que há em certas mãos. Claro, coloca-se em museus. Mas não é sustentável.  Eu acredito que passamos muitos anos esperando tudo do governo. Então, a iniciativa privada… Eu acredito que urge uma lei de mecenato que incentive, como no Brasil ou nos Estados Unidos, a isenção de impostos, uma política fiscal.

Sharine: Não há isso aqui?

Adriana: Não. Há alguns programas. Há EFIARTES [Estímulos Fiscais para as Artes], há EFICINE [Estímulos Fiscais para o Cinema]. Sim, há filmes financiados por certas empresas. Mas os modos como operam vêm mudando de uma maneira muito complicada. São alguns projetos oficiais que pretendem incentivar as empresas para que paguem a produção de um filme, por exemplo.  Há descontos nos impostos. Então, tem sido um mecanismo bastante complicado, que vem mudando, mas é muito pouco. Realmente, para o tamanho do país, há muito poucos incentivos. Tudo está mudando muitíssimo. Há projetos de autogestão e, também, nos quais precisamos prestar muita atenção. Por exemplo, o cinema indígena que está sendo gerado em Oaxaca, coletivos e narrativas, coletivos de leitura que estão trabalhando às margens do governo. Está se formando uma universidade comum em Oaxaca, que é uma universidade indígena, autônoma.  É uma maravilha. O que está se passando em Oaxaca é exemplar. Há, também, projetos editoriais pequenos. Começam a surgir pequenas editorias independentes, livres e independentes, que estão lutando por sobreviver. Também há livrarias independentes, que estão surgindo em diferentes pontos da cidade. Não são as grandes livrarias. São focadas, talvez a um tema. O mesmo está se passando com algumas galerias. Galerias de arte que são pequenas galerias. Agora, na semana passada, foi a feira mais importante de arte Zonamaco. Ao mesmo tempo, na delegação Cuauhtémoc, pequenas galerias começam a agenciar artistas.

Sharine: Que não têm subsídios do governo…

Adriana: Não, nada. Isso não tem nenhum apoio do governo. Não sei como fazem. É novo. Mas está se passando e não podemos deixar de ver. É muito importante.

Sharine: E o teatro, a dança, as artes cênicas em geral?

Adriana: Guillermo Arriaga era o coreógrafo do libro. Era bailarino. Tem havido um desprezo pela dança. Tem havido um maltrato, acho, pela dança, muito pouco orçamento. Há grandes bailarinos, há grandes produções e grandes companhias. Mas sofrem muito para subsistir. No México, há excelente teatro também. Os grupos sofrem muito por uma produção. Também há um programa para motivar o teatro. Se você falar com qualquer produtor teatral, digamos, não de grandes produções musicais, que começam a acontecer aqui, mas de teatro independente, pequeno… É muito difícil. No máximo, ajudam com os ingressos, mas os ensaios, o vestuário, a produção, as turnês… Estão passando por momentos difíceis, não? Em criatividade, não. Sinto que há um movimento de teatro incrível aqui, de atores e atrizes. Há algo muito importante, que não posso deixar de lembrar, que é o tema das mulheres, de toda essa sociedade civil que se ativa, que é como algo novo, nas galerias, nas livrarias. As mulheres começam a ter muitíssima força. Muitos desses projetos são encabeçados por mulheres, as livrarias, por exemplo. As mulheres têm reivindicado uma força que é muito importante. Não somente como tema de estudo, resgatar mulheres que não eram estudadas nas pinturas, nas artes plásticas. Acabo de publicar uma coluna sobre o que está acontecendo com as mulheres criadoras, que estão em todo o mundo. O cinema feminino é o que está se destacando no México, as arquitetas mexicanas, que estão aqui e no exterior, são premiadas e reconhecidas. Também há novas formas, que me interessam muito, que têm a ver com o meio ambiente e a cultura. Está tudo entrelaçado. Há uma garota que faz apneia. Ela usa tanques que emergem a 30 metros, aprendendo a respirar no mar, em cenotes. É Camila Jaber, é uma jovem que está brilhando muitíssimo no mundo. Mas ela, além de fazer arte, uma espécie de coreografia, faz ativismo ambiental.

Sharine: Que bonito!

Adriana: Exatamente! Isso está acontecendo e estamos vendo. Está acontecendo e temos que ver. O Tren Maya, que é um megaprojeto caríssimo, está levando, creio, 500 bilhões de pesos, algo muito maior do que estava orçado. Na seção 5, por exemplo, estão prejudicando muito os cenotes. Os cenotes são as fontes de água potável de toda a península de Yucatán. Cenotes são corpos d’água. Supõe-se que, no sudoeste mexicano, em Quintana Roo e Yucatán, fica o maior aquífero de águas subterrâneas, penso que do continente, senão do mundo.  Está cheio de corpos de água doce. É incrível. Não são apenas fontes de abastecimento de água para a península. Foram descobertos lá restos paleontológicos, arqueológicos. Então, é valioso como patrimônio cultural e, também, natural. É incrível encontrar uma caverna de cobre, por exemplo. É lá que patrimônio cultural e natural se unem, como em Calakmul, um sítio maia muito importante na selva, que foi declarado pela UNESCO patrimônio cultural e natural. É uma selva. E o Tren Maya vai atravessar a selva. Cortaram dez milhões de árvores. Mas o que interessa para seu tema é que isso tem gerado várias organizações. Há uma que se chama “Selvame del Tren”. Em vez de “sálvame”, “selvame” “del trem”. É dos biólogos, paleontólogos. Tornaram-se ativistas a favor do patrimônio. E tem sido uma mobilização em rede muito intensa, no Twitter sobretudo. São fenômenos novos. Também estão acontecendo coisas novas, como o Tren Maya. O Instituto Nacional de Antropologia e História está apoiando o Tren Maya. É inacreditável. Como se nada estivesse ocorrendo. Tem sido uma postura muito submetida ao executivo. Mas estão surgindo mobilizações de cientistas, espeleólogos. Esportistas, espeleólogos, biólogos unidos em um movimento que é muito, muito forte. Estão ganhando o aquífero, a seção 5. Colocaram estacas nos cenotes. O concreto do teto caiu. São tetos de um material muito suave, estão caindo e contaminando a água.

Sharine: Que triste.

Adriana: É muito forte. Estou muito interessada, e acho que a sociedade civil está se movendo.

Sharine: Que bom.

Adriana: Há um tema que é muito forte: o medo de falar. Há pessoas que trabalham em instituições governamentais, o INAH [Instituto Nacional de Antropologia e História], o INBAL [Instituto Nacional de Belas Artes e Literatura]. Elas têm muito medo de falar porque podem perder seus empregos. Eu compreendo porque é duro. É inacreditável, não? As associações da sociedade civil têm sido muito importantes e não são escutadas pelo estado. A iniciativa privada também tem participado pouco. É de todos. O Tren Maya tem uma rota ao longo das estradas. Os hoteleiros disseram: “vai atrapalhar a vista”. Para dizer de um modo simplista. Longe de serem solidários, os interesses econômicos pesaram mais na decisão da rota. Com essa mudança de rota, estão contaminando o cenote, que para a cultura mexicana é importantíssimo. Era o sítio sagrado dos maias. É uma riqueza natural, é uma riqueza cultural. Lá têm encontrado umas maravilhas. Têm encontrado restos humanos que nunca se imaginou que pudessem ser tão antigos. É incrível. Precisamos de força. Há um arqueólogo que disse: “não estamos cuidando do patrimônio ecológico”. Foi demitido. Por WhatsApp, nem sequer era um meio público. Alguém o acusou e enviou ao outro lado. Há pessoas que precisam se libertar um pouco do medo, da pressão. Como podem dizer que é um governo de esquerda se algo assim acontece? Eduardo Cruz Vázquez acaba de publicar um livro sobre economia da cultura. Acredito que nossa mente esteja um pouco bloqueada em termos de iniciativa privada, da arte e da cultura como um negócio, não?

Sharine: Sim, no Brasil também. Mas penso que as coisas estão mudando. Devemos que pensar que a arte é um trabalho e que os artistas precisam de dinheiro para viver.

Adriana: Claro.

Sharine: É uma discussão importante.

Adriana: É uma discussão muito importante, uma reflexão. Não diz respeito somente ao governo. É também da sociedade civil e da iniciativa privada.

Sharine: Não sei se conhece o sistema brasileiro… É uma federação, como o México. Temos um sistema de saúde, que é público e universal. Então, o governo federal repassa o dinheiro para os estados e para os municípios, para que utilizem na saúde. O mesmo se passa com a educação. Há um projeto, desde 1968, mais ou menos, há muitos anos, de um sistema para a cultura, que se chama Sistema Nacional de Cultura. É a mesma coisa: o governo federal passa o dinheiro para os estados e para os municípios, para que utilizem na política cultural local. Mas isso nunca funcionou no Brasil. Tínhamos o Sistema desde 2012 na Constituição, mas não tínhamos dinheiro para os repasses. Menos da metade das cidades brasileiras haviam aderido ao Sistema Nacional de Cultura em 2020. Mas 76% aderiram à Lei Aldir Blanc. Isso mudou muito. Agora temos a Lei Paulo Gustavo, que também funciona assim: o governo central repassa o orçamento para os estados e para os municípios. Temos 98% de adesão. Quer dizer, quase todo o Brasil recebeu o dinheiro para a Lei Paulo Gustavo e para a Política Nacional Aldir Blanc. Com isso, pensamos que, talvez, possa chegar a funcionar o Sistema Nacional de Cultural. Pensei agora sobre o que estava falando a respeito dos orçamentos para as comunidades. Eu pensava que fosse um pouco como o Sistema Nacional de Cultura. Mas já compreendi que não, que é uma coisa diferente. Já falou um pouco sobre isso…

Adriana: O México também é uma federação e há um Sistema Federal. Não quero me equivocar: é bastante complexo, tem se transformado. Veja: aqui há esse preconceito contra a iniciativa privada. Acredito que tenha sido evitada, mas podem fazer coisas em conjunto, não? Há um preconceito do governo contra a  FIL. Dizem que a Feira Internacional do Livro é neoliberal.  Como podem colaborar? Há de haver uma colaboração… Agora acaba de sair, que dá muita sustança para seu trabalho, a lei que acabam de aprovar para que os artistas passem a fazer parte, digamos, da lei como trabalhadores, com direito à saúde, com direito à seguridade social, à aposentadoria [refere-se ao Capítulo XI da Lei Federal do Trabalho].

Sharine: Há uma lei para isso?

Adriana: Foi aprovada antes de ontem. Aprovaram um parecer, do Senado, da comissão de cultura, para incluir os trabalhadores da arte na Lei Federal do Trabalho. São reconhecidos seus direitos trabalhistas. Os dos artistas de todas as disciplinas. 

Sharine: Esta é uma iniciativa popular?

Adriana: Não. Havia uma iniciativa, há muito tempo, de uma atriz que se chama María Rojo. Ela foi a primeira, mas faz muito tempo. Nunca ninguém lhe deu atenção. Digo: é tempo eleitoral.

Sharine: Bem, há outra pergunta relacionada. No Brasil, o orçamento federal é o menor. Há um orçamento para a cultura que é muito maior nos estados e nos municípios. Mas, com a Lei Aldir Blanc, isso vem mudando. O prefeito diz: “vamos receber um dinheiro do governo federal, então não vamos colocar o nosso na cultura. Vamos investir em saúde, vamos investir na educação”. Há essa discussão no Brasil, que está mudando todo esse sistema. Aqui no México, eu não encontrei os dados sobre o municipal, mas o orçamento federal é maior…

Adriana: Sim, seguramente.

Sharine: O que pode falar sobre isso?

Adriana: Aqui o orçamento é muito mais centralizado. Muda e muda e não sei dizer o que se passa agora. O que sinto é que os estados… Veja, há alguns que cresceram muito, como Jalisco, Nuevo León, talvez Yucatán. As feiras de livros têm se proliferado por todos os lados. Têm crescido. Por exemplo, a feira internacional de Chihuahua, já não enviam dinheiro para ela. Acredito que a de Nuevo León também seja autônoma. São estados que, sim, estão investindo.  Mas há estados muito pobres para destinar orçamentos locais para a cultura. São muito pequenos.

Sharine: É como no Brasil. É tudo muito concentrado em São Paulo, Rio de Janeiro, nas cidades maiores. Mas há cidades que não têm sequer uma secretaria para a cultura. 

Adriana: É como funciona. Por exemplo, Morelos é um estado muito perto daqui. O que fizeram em Morelos foi fundir cultura e turismo. Não é nem cultura nem turismo. Então, aconteceu de a federação não enviar os recursos: “nós também não vamos investir”. Há um problema aqui que também é muito sério, que é o crime organizado. Vou contar um caso: os sítios arqueológicos em Chiapas. Há dois importantíssimos em Yaxchilán. Há pouco escrevi sobre isso. Não há acesso há um ano e meio porque estão tomados pelo crime. É gravíssimo! Estão tomados pelo crime. O governo diz que: “não, estão funcionando bem”. Mas os arquivistas não podem ir, não podem entrar. Há crime. Há dois carteis que estão brigando pelo território. Este lugar é chave para o transporte e a recepção de droga. Estão lá e não querem ser vistos: “daqui não podem passar”. Imagine os hotéis, os guias turísticos… Há uma lancha que cruza o rio e que leva a Yaxchilán, que é um sítio muito importante. Não estão trabalhando, os guias turísticos dizem. Afeta toda a indústria cultural.

Sharine: Claro.

Adriana: Os arquivistas me pediram anonimato. Eles dizem: os sítios vão começar a deteriorar. São pinturas incríveis da época clássica maia. Levaram décadas para restaurá-las, estudá-las. Há um trabalho arquivístico muito sério sendo feito. Lá há uma parte muito séria da UNAM, do INAH e de instâncias internacionais. Mas está tomado pelo crime. Eu publiquei sobre isso e, na manhaneira do presidente, disseram que não, que estão abertos. Mas não é que estejam fechados, é que estão tomados. Pois há gente armada na entrada. Há um conflito com comunidades locais. É muito complexo. Dizem: “isso é nosso, temos direito de cobrar pelas entradas”. E o INAH deixou assim. Realmente conseguiram um acordo sério com essas comunidades. Chega o crime e as coopta. Não a todos… Ameaçam. Então, há uma revolta entre as comunidades locais, o cartel, o crime organizado. Todo o orçamento desta zona está para o Tren Maya. Essas são as contradições tremendas. Claro, o crime organizado incide sobre os projetos culturais. Michoacán é um lugar riquíssimo, riquíssimo em artesanato, estão excluindo os artesãos também onde há concorrência de cartel por território. Não há turismo em Michoacán. Não há turismo, há extorsão. É um problema que temos que contar, que temos que narrar, que é parte de nossa realidade, terrível. Não sei como isso será solucionado, mas é um tema que também incide sobre a cultura.

Sharine: Sim, claro. Não há uma integração da federação? No Brasil também não há, mas estamos planejando agora, com a Lei Aldir Blanc, com as outras leis. Vamos ver o que se passa.

Adriana: O que acontece é que aqui é como negá-los em vez de dizer: “é um problema de todos”. O problema não é nosso, é de todos. Mas isso está tendo um forte impacto. 

Sharine: Outra coisa… Estou sempre comparando com o Brasil porque, para mim, é como se fosse uma conversa entre dois países. No Brasil, com a Lei Aldir Blanc, nós percebemos que há uma alteridade, há uma cultura que é nossa, mas que não conhecemos. Por exemplo, nas grandes cidades, a dança, o teatro, a música, são atividades importantes para o subsídio público [refere-se ao investimento com recursos da Lei Aldir Blanc nessas linguagens]. Mas, quando o dinheiro do governo federal chega às pequenas cidades, há também o artesanato, as manifestações populares. Temos, no Brasil, a cultura negra e a cultura indígena, que estão muito fortes. Agora temos cotas para os negros, cotas para os indígenas em alguns editais. Há também a comunidade evangélica, que está crescendo. Há todas essas contradições no Brasil. Algumas vezes, há sim violência. Mas não é sobre isso. São culturas distintas. Quando o dinheiro chega aos locais, deve-se decidir: isso vai para a cultura indígena? Isso vai para a música popular? Não é muito. Gostaria de saber como se passam esses movimentos populares aqui no México e com as distintas culturas que há no país. 

Adriana: Acredito que, neste governo, de López Obrador, decidiram dar atenção justamente para esses movimentos. Se funciona, não sei, vamos ver. Mas o discurso é a cultura popular. Há algo muito simbólico, como Los Pinos, que era onde viviam os presidentes antes, que são umas residências muito bonitas, em uma área de Polanco, que é uma área muito rica, com jardins. Lá viveram os outros presidentes há muitíssimos anos. Decidiram convertê-la em um centro cultural. Então, as pessoas vão ver exposições, há música, há exposições de arte popular, de artesanato. As pessoas podem ir ao Palácio Nacional, a outro palácio. 

Sharine: É gratuito?

Adriana: Sim, é gratuito, está cheio de gente. É um espaço público. Acho que isso foi acertado. Há vários projetos, que são los semilleros de cultura, que se supõe que estão em toda a república. Mas aqui não há informação e acredito que isso seja muito importante. O governo presume que está funcionando muito bem: “estamos transformando as pessoas e, agora, as pessoas têm apoio”. Mas não há números, não há uma informação, não há dados. Já se passaram seis anos e não temos dados.

Sharine: Eu procurei e não consegui encontrar.

Adriana: Por parte do governo, não há prestação de contas com os resultados de seus programas, que são tão importantes, no discurso. Mas não há uma informação. Por exemplo, em Chiapas, o que você diz sobre os evangélicos, há sim. Mas não acredito que precisem lutar pelo orçamento. Agora, em Chiapas, há um problema: as comunidades que estão se deslocando dos territórios para fugir da violência. É muito triste. O Exército Zapatista de Libertação Nacional faz trinta anos este ano… Estive nos Caracóis, que são suas comunidades autônomas, que funcionavam muito bem. 

Sharine: Funcionavam bem? Que bom.

Adriana: Foi uma experiência, do meu ponto de vista. Fui há dez anos e vivi ali uma semana com uma família. Eles tinham um sistema que se chamava La Escuelita Zapatista. Íamos aprender como vivem. Fiquei impressionada com a organização, a autonomia. Mas, com o crime organizado, está decaindo. Porque estão indo pelos territórios, um território muito rico. O EZLN já teve que mudar toda sua organização para se salvar do crime. Este é o problema agora e não tanto que haja evangélicos. O problema é o crime, totalmente.

Sharine: Sobre a cultura comunitária, penso que já falou bastante. Para mim é interessante porque há um programa no Brasil: a Política Cultura Viva. Existe agora no México. Não é a mesma coisa. Mas Celio Turino , que foi um dos criadores da Política Cultura Viva no Brasil, esteve no México para falar sobre isso. É um discurso do governo de López Obrador sobre a Cultura Comunitária…

Adriana: Sim, existe. Mas não conheço muito os resultados. No discurso, é o mais importante da cultura. Teria que ir aos estados saber porque não há informação. O que há são espetáculos que os atores fazem nas comunidades, dançam. Há um evento que fazem a cada ano com crianças das comunidades, que cantam. Mas sobre os resultados, realmente, eu mentiria. Isso quanto às políticas culturais, porque há de fato. Se você vai às comunidades, seja em Oaxaca, sobretudo a cultura mixe, há uma organização. Lá está a Universidad Comunal.

Sharine: É uma organização popular, não há apoio do governo?

Adriana: Há pouco, Luna Marán, uma cineasta indígena inteligentíssima, twittou: “se não vão nos ajudar, por favor, não atrapalhem”. No México, o governo não gosta dos espaços autônomos. 

Sharine: Por quê?

Adriana: Porque não podem controlar. Aqui há um afã de controle muito forte. Querem acabar com os institutos que são autônomos porque dizem que se gasta muito dinheiro e que esse dinheiro poderia ir para os pobres. Fecharam o Instituto Nacional de Avaliação Educativa. O Instituto Nacional de Ecologia, que era um dos autônomos, foi subordinado a uma secretaria de meio ambiente. Querem acabar com o Instituto Nacional de Acesso à Informação. 

Sharine: Como se passou com o FONCA. 

Adriana: Não gostam de nada que seja autônomo. Esse é meu ponto de vista. Então, claro que há organizações comunitárias autônomas, que fazem coisas maravilhosas. Seguramente algo está funcionando. Mas não estão sabendo comunicar, embora seja importante. 

Sharine: Para terminarmos, há algumas perguntas que penso que são relacionadas. Como disse, no Brasil há um investimento público, que não é muito grande, mas é importante. Quase não há investimento das empresas privadas. O que fazem é utilizar dinheiro público como se fosse dinheiro privado, mas não é. Há toda uma cadeia das artes no Brasil. Mas os artistas vivem com muita precariedade porque têm apoio para um projeto, mas não para se aposentar, não têm previdência social. Eu, pessoalmente, penso que as bolsas e os editais públicos são importantes, mas agravam este problema da precariedade. Os artistas dependem de toda essa cadeia. Há pessoas que são especialistas em escrever os projetos culturais só para que se inscrevam nos editais. Eu penso que há uma precariedade em tudo isso. Gostaria de saber como é aqui… Você já falou um pouco…

Adriana: Veja, deveriam mexer um pouco no FONCA no sentido de organizá-lo melhor, fazer com que fosse mais justo. Muitos projetos importantes, livros e exposições eram resultado de bolsas do FONCA. Óperas, dança… Ter acabado com isso e mudado a maneira de selecionar os bolsistas foi o mesmo que ocorreu nos organismos autônomos, para mantê-los mais controlados e ver onde vão. Antes era mais autônomo e tinha um critério diferente. Com certeza, seria necessário modificar algumas coisas, como as pessoas que eram bolsistas por quarenta anos. Mas, de repente, chegaram com uma faca, cortando. Antes havia uns recursos que se chamavam “carimbados” na Câmara dos Deputados. Na hora de aprovar os orçamentos, os carimbados são reservados para certos projetos culturais. Com certeza, havia alguns que não tinham por que ser carimbados. Mas outros sim. Acabaram com todos. Tem sido uma política terrível neste sentido. O FONCA, as bolsas, com certeza deveriam corrigi-las. Mas não acabar com elas. Extingui-las e convertê-las no que as converteram… Os jurados, tudo mudou. Teríamos que estudar e ver o que estão fazendo. Quase todos os bolsistas se queixam de que não os pagam a tempo. Há um maltrato, como se fossem indignos. Se expressam em rede, mas estão desesperados.

Sharine: Também não recebem investimento privado…

Adriana: Este é o problema. Há bolsas, mas não tenho lido sobre um sistema forte. Enquanto há bolsas, há produção… Sustentáveis não conheço ou são mínimas. Por isso digo que seria necessária uma lei de mecenato ou de incentivo fiscal, que não há. Muitas coleções de arte ou de arte popular, começam com o apoio privado. Por exemplo, a coleção do Citibank Amex é uma das coleções de arte mais importantes do México. Mas, agora que compraram o Citibank, o que vai se passar com a coleção? Não se sabe. Esperamos que o banco a conserve porque a têm manejado bem. Isso não gostam de contar.

Sharine: Com isso, passamos à próxima pergunta. Tenho mais duas. O que se passa com o público? Penso que tudo isso é como aconteceu com o governo Bolsonaro no Brasil. Dizem que os artistas são elitistas, que vivem do dinheiro público. Um pouco é porque aos públicos não interessa tanto o que se passa com a arte. Sim, assistem à televisão, assistem à Netflix. Mas não percebem que isso é um trabalho dos artistas…

Adriana: Isso acontece da mesma forma aqui.

Sharine: No México, as pessoas vão mais a museus e teatros do que no Brasil…

Adriana: Quando há um evento, uma exposição gratuita, o público vai. Há  muita gente que vai. Ou aos concertos que ocorrem no Zócalo, as pessoas vão. Somos uma multidão. Por um lado, há uma lacuna na formação de público por meio da educação artística nas escolas. Isso seguirá pendente, nunca é feito. Sempre dizem que vai haver educação artística, que é muito importante. Seguimos com as aulas de flauta, mas não de apreciação artística. Por um lado, a grande pendência é a formação de público. Por outro lado, a ideia de gratuidade. Acho que tem a ver com a cultura virtual. Durante tanto tempo, tudo foi gratuito e, depois, cobram: “como? Por quê?” Isso acontece no México, para muitas coisas, muitos museus. O dia em que é gratuito, todos vão ao concerto. Os concertos são caríssimos. Temos uma ótima oferta, mas são caríssimos. O Corona Capital é caríssimo. Mas também nos grandes públicos falta a consciência de que “merece ser pago, faz bem para mim e faz bem para todos”. Aí faz falta um trabalho muito forte. Por um lado, é muito bom que haja espaços gratuitos. Você vai a Chapultepec e se encanta. As pessoas desfrutam. Por outro lado, os artistas têm que comer, têm que viver. Por que cobram? Porque isso é um trabalho. Eu não sou artista, mas trabalho em um jornal que agora está tratando de cobrar pelo acesso a certos artigos. As pessoas não gostam porque se acostumaram, por muitos anos, ao acesso gratuito aos conteúdos. Mas os jornais têm que viver de algo. Estão desesperados, buscando como subsistir. Por outro lado, também é injusto que, por exemplo, na seção cultural de um jornal, exijam anúncios como em outras páginas. É diferente. Não vão ver. Durante muitos anos, houve publicidade do Estado, do Bellas Artes, do CONACULTA, nas revistas. Quando isso acabou, quando desapareceu a publicidade do Estado, muitas revistas faliram.  Então, falta a iniciativa privada, que invista nisso também. Precisamos criar essa consciência de que todos ganhamos com isso.

Sharine: Há uma ideia de que tudo deveria ser gratuito, mas não é possível, assim como não é possível ao Estado, mesmo que tenha dinheiro, dar dinheiro a todos os artistas. Isso não é possível.

Adriana: Nem funciona.

Sharine: Deve haver outros caminhos para a cadeia das artes e da cultura. Para terminar, o que pensa das eleições? E, também, por que as políticas culturais são importantes, apesar de todos esses problemas de que falamos?

Adriana: As eleições agora são muito importantes. No GRECO fizemos umas mesas de discussão sobre isso. Estou convidando os dispostos a narrar para conhecer um pouco as plataformas. Acho importante que os partidos apresentem projetos reais. É, finalmente, uma oportunidade. Agora me preocupa muito tudo o que começaram e que não terão tempo de terminar, todos esses megaprojetos. Como isso vai ficar? É uma oportunidade para repensar as coisas. Até mesmo o discurso do MORENA, o partido social: “a cultura é o centro, a plataforma principal”… Não é certo. Isso é uma desculpa. Não é certo. Acredito que devemos exigir um projeto cultural viável, sustentável, realista, que venha um pouco a recolher os pedaços que estão atirados por aí. Isso também será trabalhoso, se a oposição ganhar. Sempre que se fala nos países e em suas fortalezas, no México se fala em cultura. Sempre dizem que somos uma potência cultura. De fato, pois invistam! É muito bom dizer isso, mas invistam. Com que dinheiro vão se sustentar? Onde vão guardar? Não há dinheiro para pesquisa. Que bom que venha. Mas tem que ser algo mais sustentável. Acho que há muitas pendências, em muitos sentidos. Há uma grande pendência também. Dizem internet para todos. É muita demagogia. Não funciona. Há que se fazer realmente um projeto. Acredito que seja o momento para mudar isso, para negociar. O Estado não pode sozinho, nem a sociedade civil. É outro momento. Creio que falta isso, realmente uma política pública de cultura digital. Não há nada. Agora é uma oportunidade para repensar, para colaborar e participar.

Sharine: Claro!

Adriana: Porque funciona melhor. Tenho certeza de que funciona. En Chapultepec, queriam fechar o Jardim Botânico, que é precioso, que aglutina, que tem uma feira, para fazer um paredão de arte contemporânea, em frente ao Museu de Arte Moderna e ao Museu Tamayo. Acabar com a natureza. Bom, as pessoas se organizaram, entre vizinhas, senhoras, muitas mulheres e conseguiram parar a obra. Ficou o Jardim Botânico. Funciona. Do ativismo, passar a propostas. Sim, há ativismo, mas sustentá-lo é difícil.

Sharine: Muito obrigada!

 

 

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