Canclini na Cátedra
Entrevista com Lorenzo Armendáriz e David Estrada, com participação de Ahtziri Molina. Realizada presencialmente, no teatro El Rincón de los Títeres, em Xalapa (Veracruz, México), no dia 03 de março de 2024
Sharine: Obrigada!
Lorenzo: Este era um parque do estado praticamente abandonado. Então, nós, há doze anos, construímos El Rincón de los Títeres, o teatro. Veja os beija-flores [mostra os pássaros]. Demos vocação ao teatro. As instalações são estas. Aqui está a sala do teatro. A parte de baixo foi a primeira etapa de construção. A segunda etapa foi por meio de uma iniciativa privada da Espanha, de uma fundação de empresários.
Sharine: Como se chama?
Lorenzo: Codere. São donos de muitas empresas internacionais, principalmente na Espanha e no México, de Fórmula 1, dos veículos. Têm investimentos na OCESA Producciones, que é a maior produtora, no México, de espetáculos musicais, como O Rei Leão, Aladin, você sabe. Além disso, têm projetos sociais. Projetos sociais são a doação de recursos econômicos para construir bancos de alimentos ou escolas, não espaços culturais. Nós dissemos: “por que não há espaços culturais?”. Fizemos a inscrição. Mandamos o projeto, que é este cômodo e a parte de cima, onde estão as oficinas de construção.
Sharine: Era um investimento direto?
Lorenzo: Direto.
Sharine: Não era por leis fiscais?
Lorenzo: A doação foi através de nossa associação civil. Digamos que nossa imagem jurídica é uma AC, que é uma Associação Civil sem Fins Lucrativos, mas com a possibilidade de investir na infraestrutura do espaço. Então, eles nos deram um recurso econômico para podermos ampliar.
Sharine: Mas o terreno é público?
Lorenzo: O terreno é público.
Sharine: E como conseguiram isso?
Lorenzo: Conseguimos por meio de uma gestão cultural imensa. Xalapa é a cidade que mais produz e representa teatro no México. Muita atividade está na Cidade do México, Guadalajara e Veracruz, Xalapa. Pode-se, até mesmo, dizer que está na Cidade do México e em Xalapa. Em Xalapa, podemos ver teatro de quartas a domingos, muito teatro. Mas não há espaços, ou seja, não há infraestrutura, não há teatros.
Sharine: Onde se apresentam?
Lorenzo: Há pouco tempo, começou a haver salas independentes. De dez anos para cá começaram a abrir pequenas salas, independentes, para vinte ou trinta pessoas, por iniciativa também dos próprios artistas independentes. Mas existiam duas salas: a sala pequena e a sala grande, que não eram suficientes para a quantidade de obras cênicas que existe.
Sharine: Duas salas públicas?
Lorenzo: Duas salas públicas, uma para mil pessoas e outra para algo em torno de seiscentas. Mas são do estado e o estado diz: “são minhas salas”. Não podem ser usadas para apresentação dos grupos independentes.
Sharine: Nem com editais?
Lorenzo: Com editais reduzidos: “vou dar duas datas para você, duas para você, duas para você e é isso”.
Sharine: E como fazem a programação desses espaços?
Lorenzo: Fazem a partir de editais muito específicos. Dão aos grupos o valor arrecadado em bilheteria, não compram as sessões, e os grupos têm que fazer sua publicidade.
Sharine: Há uma companhia de teatro pública na cidade?
Lorenzo: Há um teatro do estado, e o município tem outro teatro, que é o teatro com mais atividades. Chama-se JJ Herrera, Juan Joaquín Herrera, que é o teatro adquirido pelo município, remodelado pelo município e é o que abriga a maioria das atividades da cidade.
Sharine: Mas há uma companhia pública de teatro, não?
Lorenzo: A Universidade Veracruzana tem a ORTEUV [Organización Teatral de la Universidad Veracruzana], que é uma companhia com muitos anos de trajetória, com mais de cinquenta ou sessenta anos de trajetória, que somente agora está construindo sua sala. A companhia da Universidade terá sua própria sala. Já a Secretaria de Educação de Veracruz tem em torno de quatro grupos teatrais. Digamos, o estado de Veracruz tem 212 municípios, mas essas companhias só abarcam Xalapa e seus arredores. Todos os outros 211 municípios não. É centralizado. E além das companhias? O restante da agenda sai dos grupos independentes, muitos deles egressos da Universidade Veracruzana, da Faculdade de Teatro. Nós somos um exemplo. Digamos que este é o panorama geral do teatro.
Sharine: E vivem do teatro ou têm outras fontes de renda também?
Lorenzo: Nós vivemos somente do teatro. O que você vai ver de El Rincón de los Títeres é autogerido, ou seja, não tem subsídio do estado para funcionar. Nada, nem um peso.
Sharine: Nem os editais?
Lorenzo: Nem os editais.
Sharine: Como fazem?
Lorenzo: Um pouco de ideologia romântica [risos]. Estou seguro de que, para conseguir esses recursos, é necessário ter uma pessoa em um escritório que faça somente isso, que esteja somente revisando os editais, fazendo inscrições. Obter o recurso e, depois, fazer os relatórios de tudo que é feito.
Sharine: Então, vocês têm, sim, o apoio do governo por meio dos editais…
Lorenzo: No México, há muitos editais: México en Escena, EFIARTES. Há muitos editais, cada vez mais e mais, destinados aos grupos independentes, sem intermediários. O recurso já não passa pelo estado. Antes, há seis anos, o recurso federal era repassado ao estado e o estado repassava aos grupos. Ali se perdia. Agora é repassado diretamente em projetos muito acertados, diretamente aos grupos.
Sharine: Vocês utilizam esses editais?
Lorenzo: Nós nos inscrevemos em alguns, principalmente de circulação artística. Mas não pelo espaço, somente pela companhia, porque o teatro tem a companhia. É Merequetengue Artes Vivas. Merequetengue é uma companhia de 24 anos.
Sharine: Ah, que bom.
Lorenzo: Mas encontramos métodos… El árbol de la palabra [mostra o parque em que estava sendo realizada a entrevista]… Digamos que nossa intenção seja fazer do centro deste parque um centro cultural temático. Então, vamos construindo pouco a pouco. Este cenário se chama El árbol de la palabra. Fizemos uma pausa no inverno por causa do frio. O clima fica muito estranho. O inverno é muito frio. Então, a partir de março e durante todo o ano, fazemos aqui, todos os domingos, uma atividade de incentivo à leitura. Os agentes culturais vêm ler algo, fazer leituras em voz alta, por exemplo. Fazemos oficinas criativas, como uma feira. As crianças vêm e as famílias participam. O parque é do município. O teatro, este espaço e uma galeria que está abaixo, uma galeria externa, têm uma figura em comodato.
Sharine: É uma galeria de arte?
Lorenzo: É uma galeria de arte no exterior. Então, o público vem, disfruta de uma exposição, dos jogos, dos escorregadores do parque e, depois, do teatro. Essa é a dinâmica do espaço. E repito: este espaço estava completamente abandonado, não tinha vocação, era até mesmo um terreno sujo, não?
[Chega um novo integrante do teatro]
Lorenzo: David e eu somos os fundadores do teatro.
Sharine: Prazer e parabéns pelo espaço.
David: Igualmente. Obrigada por vir. Sabemos que você deu uma conferência na sexta-feira [palestra realizada em 1º de março na Universidad Veracruzana]. Na verdade, foi bem complicado. Estávamos voltando de Huamantla, então não deu tempo.
Sharine: Foi uma conversa muito rica com todos os alunos, com as pessoas que trabalham em teatros, que são pesquisadoras. Para mim, foi muito bom conhecê-las.
David: Estão fazendo as coisas passo a passo, a partir de conversas. Esta comunicação com a pesquisa é outra coisa e outro panorama. Não sei se parece com o de São Paulo, mas em algo devemos parecer.
Sharine: Em algumas coisas, sim, mas em outras não. Penso que, no Brasil, a institucionalidade da cultura não é tão forte quanto aqui. Sim, há editais, há um Ministério da Cultura. Mas não há, por exemplo, muitos espaços nacionais para o teatro. Há, mas são menores do que os do México, mais alternativos, digamos assim. Há uma lei de investimento privado por meio de incentivos fiscais. Mas são parecidos em muitos aspectos, como na precariedade dos artistas, que têm que buscar os editais, as parcerias público-privadas e tudo isso.
David: Uma vez, conversávamos com uns colegas espanhóis… Falávamos sobre as condições laborais e econômicas. Eles nos diziam: “é muito mal pago…”. E perguntávamos: “quantas sessões vocês têm que realizar para sobreviver, pagar seu aluguel, pagar sua alimentação?”. Então nos diziam: “uma ou duas sessões por mês”. Nós temos que realizar 20 sessões. Na realidade, muitas vezes, faço a conversão de quantas sessões temos que realizar, assim como o custo da Coca-Cola ou da cerveja em diferentes lugares. Assim vamos medindo o valor econômico. Com uma ou duas sessões por mês eles resolvem sua vida básica. E, aqui, nada… Aí vemos a precariedade.
Sharine: Por que ele dizia que há essa diferença? Porque há público ou porque há subvenção do estado?
David: É bem pago. Creio que chegam a cobrar 1.500 euros, algo assim, por sessão.
Sharine: Pago pelo governo?
David: Sim, pelo estado. Lá há muitos bancos. São obrigados a ter esses espaços culturais. Então, todos os meses devem ter sua programação.
Sharine: Entendo. Os espaços culturais contratam os artistas.
David: Exatamente.
Sharine: Mas não vivem de vender ingressos porque penso que isso é impossível em qualquer lugar do mundo.
Lorenzo: Nós estamos tentando fazer isso… Mas o que quero lhe mostrar é que nós começamos em uma sala pequena, alugada. Era um teatro para vinte pessoas. Ou seja, o projeto começou com o primeiro passo: “vamos abrir uma sala”. Abrimos e não chegou ninguém. E o público? [risos].
David: Bom, na inauguração, claro que havia 20 ou 25 pessoas, os amigos e os convidados. Claro que estava cheio, não? Mas era uma inauguração, a primeira sessão, que, na realidade, foi para esquentar os motores. Então, a sessão real, que foi no dia seguinte, foi assim: “Ok, e agora?”. Além disso, fizemos muita divulgação. Fomos ao parque convidar as pessoas.
Lorenzo: Nós nos desafiamos em um momento em que todo o teatro na cidade estava subvencionado, ou seja, era pago pelo estado, ou pela Universidad Veracruzana, em um nível teatral muito alto. Mas gratuito.
David: Bom, gratuito para o público, porque na realidade não era gratuito.
Lorenzo: Então, abrir um espaço independente… Precisamos de uma bilheteria e de um público que pague os ingressos. O público chegava: “quanto custa?” “Ah, cobram?” “Ah, obrigada.” E iam embora porque o IVEC [Instituto Veracruzano de Cultura] tinha uma programação imensa de atividades artistas e culturais, de música, dança, teatro… A universidade, então, nem se fale… Então desafiamos isso…
David: Muitos dos comentários eram: “Cobram?” “Mas por que, se é teatro?” “Ah, bom, mas é gratuito, não?”. “Então, não é gratuito. Custa”…
Lorenzo: Foi uma época para Xalapa em que o Instituto de Cultura começou a deixar de comprar sessões dos grupos e começou a nova dinâmica de autofinanciamento. Ou seja: “comecem os grupos, já não vamos mais comprar, mas vamos capacitá-los para que entrem nessa forma de autofinanciamento e se encontrem porque o estado já não tem recursos”.
Sharine: Quando isso começou?
Lorenzo: Acho que em 2009…
David: Acho que muito antes. Desde que Roberto Bravo Garzón morreu [risos]. Penso que essa dinâmica começou por volta de 2003, 2004.
Lorenzo: Isso nos afetou como grupo. O Instituto Veracruzano nos chamava, pagava as sessões e muito bem pagas. Depois, passaram a pagar a metade e, depois, menos da metade e, depois: “aí está o espaço”…
David: “Ocupem-no e cobrem os ingressos”. Depois: “há uma porcentagem para o espaço”, não é verdade? Agora, pois, é um aluguel. Antes nos pagavam. Depois alugavam, cobravam. Então, a dinâmica mudou. Penso que também foi por responsabilidade do setor porque, quando havia a programação que era paga, havia uma espécie de concorrência. Tínhamos que entregar os projetos e eles diziam: “este está mais bonito”. E contratavam. Os grupos que não eram considerados diziam: “escute, eu cobro a metade”. Então era: “Ah, claro, pois assim eu economizo a metade e tenho uma programação”. E faziam uma programação muito ampla…
Sharine: Não faziam um edital com jurados?
David: Não. Depois chegaram: “veja, eu não cobro, mas fico com a bilheteria e você não ganha nada”. E os funcionários: “claro”. Depois foi: “veja, eu te pago”. Então, foi mudando. Ou seja, acho que muita da responsabilidade foi do setor, que foi se desvalorizando.
Ahtziri: Aumentou a oferta por parte das companhias de teatro da cidade.
Lorenzo: Sim, muitíssimo. A oferta cultural de Xalapa aumentou e o melhor é que tudo é independente.
Sharine: A qualidade melhorou também?
Lorenzo: A qualidade, vou lhe dizer… Na cidade de Xalapa, somente na Mostra Nacional de Teatro do ano passado… Nas últimas quatro ou cinco mostras houve grupos de valor. É o segundo festival mais importante, penso eu, por essa abertura. Lá se apresentam grupos que vêm desde Tijuana até a península. É o Festival de Monólogos, Teatro a Una Sola Voz. No ano passado havia dois grupos de Xalapa. No do ano retrasado, dois. Xalapa está presente no Centro Cultural del Bosque. Na programação, pelo menos, há um grupo de Xalapa todo mês.
Sharine: Por quê? Porque há mais oferta…
Lorenzo: Eu acho que é porque há um grande nível de produção teatral en Xalapa.
Sharine: É porque há mais oferta na Universidade?
Lorenzo: Sem dúvida, pela Universidade. Sem dúvida, pela formação, que é muito valiosa, e pelos entornos da formação, porque os alunos podem ver teatro, fazer parte. Acho que o mais importante desses processos é que os alunos e as alunas estejam rodeados desses processos criativos. Ou seja, podem ver festivais de dança, podem ver festivais de jazz, de máscara, de palhaçaria, de bonecos, de bonecos para adultos. Há grandes referências.
Daniel: Eu daria um exemplo: grande parte de nossos cartazes foi feita por um artista gráfico que se chama Iván Flores. Ele continuava estudando quando ingressamos na faculdade, então convivemos como estudantes e ele fez seu primeiro cartaz para teatro com uma obra nossa. Eu poderia dizer que, de alguma forma, vamos crescendo juntos e há uma qualidade. Ou seja, entre a música, entre figurinistas, artistas gráficos… Acho que isso não acontece em outros lugares. Por exemplo, somente na Cidade do México alguém poderia dizer: “lá há grandes expoentes”. Sim, mas não conhecemos.
Lorenzo: David acaba de ir ao Congresso Estadual de Teatro em Durango. Os grupos em Durango discutiam o número de sessões que realizavam: dez, cinco. Perguntaram a David: “e você, quantas faz?” Ele: “mais de 500, 600 apresentações”. Durango é uma cidade ideal, que pode chegar a ter recursos. Mas não existe este ambiente. Não sei o que há em Xalapa.
David: Na realidade, o teatro de Xalapa é muito barato. Quando chegam companheiros de outros lugares, dizem: “há milhares de coisas, quero vir para cá”.
Sharine: É barato para fazer teatro?
Lorenzo e David: É barato para o público.
David: Mas também lhe digo a realidade. Veja, sim, há muita atividade, mas é muito barato, ou seja, economicamente, os ingressos serão poucos. Mas o que acontece em Xalapa? Por exemplo, em nosso caso, aqui no nosso laboratório, fazemos, experimentamos, testamos com o público, todos os finais de semana, há dez ou quinze anos. Tratamos, obviamente, de que venha o público e que a bilheteria seja uma fonte de renda importante. Mas muito do modus vivendi do projeto vem da circulação que fazemos. Saímos muito. Ou seja, é como que fosse um lugar de exportação, que fazem e exportam….
Lorenzo: E a formação…
Daniel: Muitos fazem assim. Carlos Converso, por exemplo, tem sua oficina aqui. Vive aqui há quarenta anos e cria aqui, mas se apresenta em uma pequena temporada por ano. Na realidade, seu trabalho é fora de Xalapa.
Lorenzo: Bom, vamos fazer o tour pelo teatro. Este é o vestíbulo. Aqui temos uma exposição de bonecos que nos acompanharam em nossas produções e que exibimos aqui. Antes eu disse: “terei uma exposição de fotografia, cartazes, obras de artes plásticas”. Mas é muito trabalho. E muita responsabilidade também porque chegam as crianças: “o que é isso?” Pois eu tinha muitas coisas de cerâmica e disse: “não, melhor não”. Então, colocamos os bonecos que construímos e que, de alguma maneira têm nos acompanhado na trajetória do grupo. O público chega, senta-se aqui. Fica para a sessão, vê a dinâmica. Este é o repertório da companhia. Somos um grupo de repertório, o que quer dizer que quase todas as peças estão vigentes, estão vivas. Podemos apresentá-las. Teatro muito experimental, teatro sinfônico… Todos os anos, há uns cinco anos, colaboramos com a Orquestra Sinfônica de Xalapa, que é da Universidade, para fazer os concertos didáticos com bonecos e máscara. Levamos quatro Produções com a orquestra, fizemos Pedro e o Lobo, El Viaje de Pico.
Sharine: São teatros autorais, não de grupo…
Lorenzo: São baseados em obras clássicas, digamos, da seleção musical. Nós intervimos com máscaras e bonecos. Todas as orquestras, no México, têm um programa de retribuição, de formação de públicos em concerto didático.
Daniel: Mas aqui convencemos a orquestra a desenvolver outros tipos de projetos. O que faziam era… as crianças estavam lá e eles chegavam: “este é o violino e este é o oboé”. Na realidade, era bastante aborrecido e não tinha um sentido. Faziam somente para cumprir. Mas também porque não sabiam como fazer. Ou seja, em primeiro lugar, não sabiam como se dirigir à infância. Mas, no final, se arriscaram e viram o resultado das dinâmicas com as infâncias, com o espaço. A partir daí, temos desenvolvido diferentes projetos.
Lorenzo: Para nós, esta placa foi muito representativa porque é testemunho de que o estado acredita que a construção do espaço vale a pena [mostra uma placa]. Apagamos o nome do ex-governador porque temos histórias de terror que não vale muito a pena contar. Esse governador tem uma história de corrupção muito forte, narcotráfico, maltrato de muitas pessoas, sequestro. É uma história terrível. Então, não quisemos seu nome aqui. Mas, quando deixaram a placa e a inauguração, ficamos felizes porque é um aval do estado, é um terreno do estado, é um terreno público e foi feito, sim, com a participação de recursos municipais. Renovamos o comodato a cada dez anos. Acabou de ser renovado quando começou esta administração e dura dez anos.
Sharine: Não foi um edital?
Daniel: Houve um edital federal. Há vários editais federais. Naquele momento, chamava-se Rescate de Espacios Públicos. Mas muitos desses editais funcionavam da seguinte maneira: a sociedade civil organizava legalmente, ou seja, havia uma figura social jurídica… Saíam editais. Esses editais eram para projetos de organizações civis, mas tinham que entrar pelo município. Eu acho que até há poucos anos era assim. Muitos editais para festivais, por exemplo…
Lorenzo: Sim, contei um pouco a ela.
Daniel: Chegava o dinheiro e o município dizia: “Chegou um dinheiro”. Então, ficava com ele: “não, não, não é para isso, não”. Havia muitos problemas neste sentido.
Lorenzo: O estado também fazia isso.
Daniel: Então, nós entramos neste edital, fizemos o projeto da construção, mas tinha que haver participação municipal. A participação municipal tinha a ver com o espaço, com o terreno. Por outro lado, quando começamos, ganhamos o projeto, o dinheiro, havia um recurso que então chegava ao município. Mas, na hora H: “Ah, o que vocês acham? Já está tudo aprovado, tudo autorizado, mas o terreno é do estado, não do município”. Então, corríamos muito risco.
Lorenzo: Principalmente por esse governador. Ele queria era mais recursos econômicos…
Daniel: Então, fomos aos deputados e a várias pessoas, dizendo: “Ouçam, este projeto corre risco porque nem sequer o município sabia que o terreno não era dele”.
Lorenzo: Precisamos encontrar os mecanismos jurídicos para que o estado o transfira para o município, o município o receba e, em seguida, o entreguem à associação civil. E, depois, que apareça no diário oficial para que seja oficializado. Nós chamamos isso de calbidear.
Sharine: O que é?
Ahtziri: As pessoas que vão e falam a favor de uns projetos ou de outros.
Sharine: Lobby.
Lorenzo: Um por um: “Ouça, veja, isso é importante”. Para que todos votem a favor. Foi um trabalho no congresso do estado e do município. Porque, além disso, pode haver contrapesos políticos.
Daniel: Por exemplo, alguém de um partido político diz: “Ah, me interessa. O projeto é interessante e, depois, chega alguém mais, de outro partido e diz: “não, este projeto está promovendo esta pessoa, então, não”. Tivemos que ser muito cuidadosos para que ficasse claro que não era um projeto político…
Lorenzo: Que era um projeto originado de um coletivo independente…
Ahtziri: E, além disso, que uma primeira deputada, um primeiro deputado tenha dado o aval não significa que estavam alinhados com esse partido.
Lorenzo: É uma coisa delicada. Aqui é um pouco como, eu digo, a hipoteca. Quando o grupo fez vinte anos, retiramos dos arquivos certificados e reconhecimentos que tínhamos e pelos quais tínhamos muito carinho e os exibimos.
[entram na sala de espetáculos]
Lorenzo: Esta é a sala.
Sharine: Que bonita.
Lorenzo: Tudo o que você está vendo fomos nós que construímos. As cadeiras são de cores diferentes porque mandamos uma mensagem de diversidade, de dizer “somos diferentes. Você gosta do branco? Eu gosto do café”. Ou seja, todos pensamos diferente no teatro, mas estamos aqui juntos e juntas em um só momento. Não dizemos porque não é nosso objetivo, mas aqui está a mensagem subliminar. A sala tem 120 lugares e um espaço para cadeira de rodas, que é para pessoas com deficiência. Há uma rampa desde a rua. A rampa continua aqui.
Sharine: Isso é importante.
Lorenzo: Isso é importantíssimo. Nós defendemos porque é mais caro fazer uma rampa do que fazer escadas. Mesmo assim, não seguimos o regulamento para a cadeira de rodas, porque deve ter uma grande extensão. Bom, mas temos cadeira de rodas e funciona, temos rampas e funcionam.
Daniel: Recebemos pessoas com cadeiras de rodas, com muletas, com bengalas e outras. Uma das características a que sempre nos propusemos foi que qualquer pessoa pudesse entrar no espaço, em qualquer condição, porque acreditamos, justamente, que o teatro e o espaço, agregando os interesses, deve ser um espaço livre, um espaço que possa ser acessado por qualquer pessoa.
Sharine: Como vocês se relacionam com os outros grupos? Há uma mobilização social dos profissionais de teatro?
Lorenzo: El Rincón de los Títeres organiza três festivais por ano. O primeiro, por ordem no ano, é o colóquio El Títere de las Artes escénicas, que fazemos com a Universidade Veracruzana, com Ahtziri e com todas as pessoas que nos apoiam muito. É um congresso que existe há dez anos. Na realidade, seriam onze, mas não fizemos em um deles por causa da pandemia. É um congresso acadêmico para dar visibilidade à pesquisa do teatro de bonecos e das artes cênicas, a música, a dança, a performance… El Verano de Títeres, que é a mostra estadual de bonecos, de companhias de bonecos, existe há onze edições. Durante todo o verão, são dois meses, convidamos todas as companhias que produzem teatro de bonecos, animações, máscaras e palhaçaria ou produções voltadas à infância. Fazemos aqui há onze anos, todos os anos. Temos apresentações… Fazemos um debate, abrimos uma cerveja, conversamos, convivemos e cada um volta para sua casa. Todos os anos fazemos isso, rendemos homenagem a trajetórias e temos um vínculo amável. Acho que poderia dizer que é solidário. O grupo, o setor de bonequeiros, de companhias de bonecos, em geral, é generoso. Temos muitos grandes exemplos aqui: Carlos Converso, que David mencionava, que é o mestre de todos nós e todos os anos está conosco no congresso, no festival. Em novembro, fizemos o festival internacional Hay Títeres Moviendo el Mundo. É um festival internacional em que convidamos grupos internacionais que já estão no México. Porque, em outubro, novembro e dezembro, há muitos festivais internacionais de teatro no México e dizemos aos grupos: “estamos a quatro horas da Cidade do México, venham!”.
Daniel: De repente, estão em Huamantla, não?
Lorenzo: Em Tlaxcala, que está a duas horas.
Ahtziri: Em Huamantla fica o Museo de los Títeres…
Lorenzo: O Museo Nacional del Títere. É um espaço que pertence à Secretaria de Cultura de Tlaxcala, mas foi fundado através do INBAL [Instituto Nacional de Belas Artes e Literatura] há mais de 37 anos.
Ahtziri: Tornou-se um espaço de referência nacional para as pessoas do teatro de bonecos.
Lorenzo: Porque preserva… Seu maior acervo é baseado na companhia Rosete Aranda y los Espinal. É uma companhia de marionetes que foi fundada há 150 anos.
Sharine: Ainda existe?
Lorenzo: A companhia já não existe, mas o acervo foi preservado pelo INBAL e pela Secretaria de Cultura, naquele momento o Instituto de Cultura. Abriram um espaço cultural muito bonito. E está cada vez melhor. Fui lá neste final de semana porque foi reinaugurado, investiram muito dinheiro e está de primeira…
Lorenzo: Agora El Rincón de los Títeres está muito mais equipado [mostra a sala de espetáculos]. Antes tínhamos lâmpadas feitas por nós mesmos, uma precariedade, porque não é fácil. Cada lâmpada, este refletor, que está no meio, custou 37 mil pesos.
Sharine: Eu sei… Trabalho em um teatro.
Lorenzo: São caríssimos. Às vezes, chega um grupo e diz: “o que vocês têm”. Digo: “isto”. “Somente isso? Mas preciso que façam…”. Digo: “pois não temos”. Ou seja, a iluminação é caríssima. Não somente para comprar a lâmpada, mas para instalar os cabos, comprar os cabos que chegam à cabine… E, agora que são chineses, então, de repente rompem, compramos outro, quinze metro…
Sharine: Sim, claro. Era sempre um problema para nós.
Lorenzo: Imagine instalar cabos daqui até a cabine… Então, compramos a lâmpada e, seis meses depois, compramos os cabos [risos].
Sharine: E o que você pensa das mudanças no governo, no FONCA [Fundo Nacional para a Cultura e as Artes], e tudo isso?
Lorenzo: Na verdade, tem melhorado muitíssimo. Veja, há editais, que como diz David, estavam sequestrados. Há dois exemplos: o Circuito Nacional de Artes Escénicas en Espacios Independientes Postpandemia, a Coordenação Nacional de Teatro, a Secretaria de Cultura e o Centro Cultural Helênico disseram: “o governo federal, em geral, tem encontrado mecanismos para não colocar intermediários no agrário, com os camponeses, os pescadores…” Isso tem sido sempre um problema, não? Porque há este recurso, mas dão dez pesos e chega um peso”. Então, começaram a propor projetos e dizer… Era uma das críticas que sempre fazíamos… porque o Instituto Nacional de Teatro, a Coordenação Nacional de Teatro, não é nacional, está somente na Cidade do México. Então, dizíamos: “E os outros?”. Uma vez nos convidaram para fazer teatro escolar e dissemos: “fazemos aqui”. “Não precisa ser na Cidade do México”.
Sharine: Mas vocês não tinham acesso ao FONCA, por exemplo?
Daniel: Há muitas coisas que, por ideologia, recusávamos.
Lorenzo: Eu, agora, tenho um estímulo de criadores cênicos com trajetória, por três anos. Sim, participamos, ou seja, acreditamos que seja um recurso público.
Daniel: Veja, vou lhe dar um exemplo com uma anedota. Durante a pandemia… Nós vivemos disso, não fazemos outra coisa. Então, houve uma chamada, saiu um edital, chamava-se, não me lembro…
Lorenzo: Contigo en la Distancia. Então, saiu um edital e eu disse: “temos que participar”.
Ahtziri: Mas qual deles? Porque houve vários. Todo o programa, na pandemia, chamava-se Contigo en la Distancia.
Daniel: Este foi o primeiro, o de 20 mil pesos. Foi o primeiro que saiu.
Ahtziri: Apoyo a Creadores Creativos.
Daniel: Exatamente, não era por grupo, mas por criador. E eu disse: “está bem”. Então, estávamos começando a preparar o projeto e nos disseram: “queremos que nos mandem o projeto”. “Ah, obrigada por entrar em contato conosco”. Nunca na vida ninguém havia nos ligado. Me disseram: “É que vocês estão selecionados”. Então, fiquei assim: “como?”
Sharine: Mas estavam selecionados sem mandar o projeto?
Daniel: O edital estava publicado e as inscrições ainda não estavam encerradas. Nós estávamos escrevendo um projeto e conheci muitas pessoas que estavam escrevendo projetos, pois é tempo de trabalho, é esforço, não? Então, eu lhes disse: “o que vai acontecer com todas as pessoas que estão trabalhando nisso?”. Disseram: “nós temos a opção de escolher, mesmo que tenha saído o edital, nós decidimos escolher”. Eu disse: “então, não me parece correto”.
Ahtziri: Falaram com você da Federação ou do IVEC?
Lorenzo: Do IVEC. Eles nos disseram: “estamos economizando com o edital e com os jurados. Então, é melhor enviar seu projeto e lhes daremos 10 mil pesos.” Eu disse: “o edital diz que haverá jurados, que é aberto e que são 20 mil pesos”. “Sim, mas vamos beneficiar mais pessoas”.
Daniel: Então, decidimos não participar e não aceitar. Sempre lutamos por um orçamento, sempre lutamos para que seja bem exercido, sempre lutamos para que, se houver um edital, que se participe como edital. Se já está definido por quer fazer todo mundo trabalhar? Não me parece justo. Então não participamos disso. No entanto, nos falaram sério: “não participaram?” “Claro que não”.
Sharine: Era um orçamento federal…
Ahtziri: Que seria aplicado no nível estadual…
Sharine: Mas quem falou com você era do estado?
Lorenzo: Do estado, diretamente, assim: “David, queremos que inscreva seu projeto e amanhã depositamos”.
Sharine: Então, é como se fosse uma descentralização orçamentária…
Lorenzo: Sim, exatamente.
Daniel: Por isso, parece-me muito saudável que muitos desses editais federais já não tenham intermediários.
Lorenzo: Agora a Secretaria de Cultura tem esse edital do Circuito Nacional, por exemplo. Os grupos beneficiados circulam por espaços independentes. Você ganha o recurso, escolhe sua sede, pagam às sedes 20 mil pesos por três sessões.
Daniel: Não, pagam algo em torno de 11 mil pesos por sessão.
Lorenzo: O espaço sede recebe esse recurso para utilizar no que quiser, livre de impostos poque é um prêmio.
Daniel: Não…
Lorenzo: Ah, sim, era uma nota… E os grupos circulam pelos espaços independentes, conversamos, convivemos.
Daniel: Chega a outro tipo de públicos.
Lorenzo: O dinheiro vai diretamente para os grupos e nós emitimos uma nota, mas o estado já não tem participado.
Sharine: Então, antes era mais descentralizado do que agora… Agora está mais centralizado…
Daniel: Acho que agora é mais descentralizado…
Sharine: Não… É descentralizado para todo o país, mas não para os estados e municípios. As decisões são do governo federal.
Daniel: Sim, do governo federal… Mas opera de forma nacional.
Lorenzo: Antes, a Coordenação Nacional de Teatro era Bosque de Chapultepec e os teatros do Centro Cultural do Bosque. Existia a coordenação nacional de teatro infantil. A gestora dizia: “Coordenação Nacional de Teatro Infantil da República Mexicana. Participe, venha e apresente aqui na Cidade do México, no meu teatro”. Eu dizia: “Com quem? Veja, e Campeche, veja, mas Puebla, veja, mas Tijuana… Sonora, aonde não chega nada, que é fronteira, não?” “Venha e se apresente aqui…” Agora estão abrindo para que os grupos circulem pelos estados vizinhos. Nós fomos a Oaxaca, Chiapas, Tabasco, outros estados próximos. Este programa existe há três anos. Tem melhorado. Tomara que continue porque, sim, é um programa, por exemplo, que funciona.
Sharine: Que bom. O que você pensa sobre as eleições? Para as políticas culturais…
Lorenzo: Há uma lei de cultura que ainda não foi implementada em Veracruz. É uma pendência legislativa dos artistas, de quem se dedica à política cultural.
Sharine: O que os artistas fazem para demandar isso?
Lorenzo: Nada. Em Veracruz, nada. Houve um esforço há muitos anos porque a lei foi publicada, em 2018. Não me lembro quando iria sair.
Ahtziri: A Lei Geral… Mas, além disso, temos uma lei de cultura do estado, que não está regulamentada.
Daniel: Mas essa lei em Veracruz começou muito antes da federal. Eu me lembro que, por volta de 2009, já se falava sobre esta lei e me parecia muito importante porque Veracruz era um precursor. Mas, na realidade, não. Foram tentativas e tentativas, mas não avançaram.
Lorenzo: Há o risco que corremos com esses partidos políticos que buscam a empatia cidadã, que é a gratuidade. Então, anunciam: “Somos um partido político popular, com programas sociais e, além disso, artistas gratuitos! Venham!”. A gratuidade continua sendo a pior concorrência para esses projetos porque provoca muitos danos. Em sua maioria, são partidos formados… É um rolo… Digamos, por usos e costumes que não avançam. Então, continuamos vendo os mesmos sobrenomes, os mesmos rostos, os candidatos a governadores aqui…
Daniel: Algum candidato novo? É o rosto, mas, na realidade, ao seu redor…
Ahtziri: E o partido é diferente.
Daniel: O partido é diferente a cada eleição.
Ahtziri: Um dia são de esquerda e, três anos depois, são de centro ou de direita. A questão é manter o poder, não importa em qual partido. A questão é manter o poder para o grupo que o sustenta.
Lorenzo: Sim, exatamente… E questões culturais não interessam. Há zero interesse. Então, o estado continua sem ser obrigado a produzir, promover e preservar a cultura. Agora, no estado de Veracruz, estamos celebrando a criação da Secretaria de Cultura, antes um Instituto Veracruzano, que era constituído assim há não sei quantos anos.
Ahtziri: De 1987 para cá.
Lorenzo: Há cerca de trinta e tantos anos. Era um instituto, quase um escritório que pertencia ao Turismo.
Daniel: Tem sido transferido a diferentes setores, não? Antes era educação… Houve um momento que era esportes, vocês se lembram?
Ahtziri: Tentaram, não?
Daniel: E agora está em turismo.
Ahtziri: Este governador extraordinário foi quem transferiu para o turismo, foi assim.
Lorenzo: Então, criou a Secretaria de Turismo, já como secretaria.
Daniel: Não, Secretaria de Cultura…
Lorenzo: Secretaria de Cultura… Queremos pensar que terá mais atribuições políticas, mais atribuições econômicas, melhores recursos. Tomara que seja assim!
Daniel: Claro que também sabemos, como exemplo de outras secretarias, em outros estados, que fizeram essa transição, que, quase sempre, o que percebo, é que demora um ou dois anos para que seja criada uma estrutura. O IVEC tem muitos anos e uma grande estrutura. Ou seja, os escritórios… A primeira vez que conheci o IVEC, disse: “o que é isso?”. Além disso, o edifício está bonito, mas, quando subimos, há os escritórios. Não sei, parecem…
Ahtziri: Lajes… São como sótãos…
Daniel: É muito deprimente, não? Pensamos: “é sério?”. Escrivaninha aqui, pessoa aqui, com máquinas de escrever das antigas, papeis… Ao lado, há outra escrivaninha e, como não cabe outra aqui, fica aqui. Parece um mercado, não sei.
Lorenzo: E 70% do recurso vai para a estrutura. E administram 17 espaços.
Daniel: Ou seja, só há 17 espaços no estado de Veracruz.
Ahtziri: Sendo que, no início, chegamos a ver 65 casas de cultura em todo o estado, mais os espaços do Porto de Veracruz e de Xalapa.
Lorenzo: Imagine 212 municípios e um estado que está no Golfo ter em torno de 17 espaços.
Daniel: E com problemas severos…
Lorenzo: O estado de Veracruz tem um problema severo de crime organizado, de sequestro. Há mais de quarenta grupos de mães buscadoras porque há o tema do sequestro e da desaparição forçada, de morte de jornalistas, de crianças… Quando disseram que as crianças deveriam ficar em casa durante a pandemia, em confinamento, alguém nos entrevistou: “qual sua opinião sobre as infâncias em confinamento?” Eu disse: “as infâncias em Veracruz estão há anos em suas casas”. Há municípios em que vão de casa para a escola, da escola para casa. Não vão aos parques, não vão às praças porque há criminosos que não os deixam sair… Há municípios… Você caminha pela rua, às seis da tarde, em uma praça muito bonita… Vazia. Não vê crianças jugando bola, não vê crianças na praça ou no parque. Espaços sequestrados, crianças em confinamento pela violência, gordas e obesas. O primeiro lugar em obesidade infantil é o estado de Veracruz. Por quê? Porque estão em suas casas engordando, porque não vão ao parque, à praça, à oficina de dança, à oficina de yoga, conviver com outras crianças.
Sharine: Que triste.
Lorenzo: Há casas de cultura, como disse Ahtziri, fechadas. Por quê? Porque foram casas de cultura feitas nos municípios, mas com partidos políticos diferentes. Então: “é minha casa, não é sua casa, você abre, pois não abro, pois então feche, pois fecho”… E fecharam as casas de cultura, onde as crianças e os adolescentes, as mamães e os papais, os jovens iam a aulas de música, tocar um instrumento, pintar. Desapareceram.
Ahtziri: Um dia estive na de San Andrés Tuxtla, com son jarocho [música tradicional], além dos globos de cantoya [balões], as oficinas de artes ou de expressões locais. Desapareceram.
Lorenzo: Não sei quando irão reabri-las, não há interesse. Uma vez estivemos em Las Choapas, com Rodolfo Mendoza, que tinha um programa de restauro.
Daniel: Em muitas dessas turnês, já enfrentamos bloqueios de narcotraficantes. “Aonde vão?” “Vamos fazer apresentações”.
Lorenzo: E abriam os baús assim: “Vamos ver, abram seus baús”. Civis. Ou seja, pessoas com capuzes, que fazem barricadas nas estradas. Eles mandam lá. Íamos em um veículo blindado por uma prefeita de Nanchital. Disse-nos: “como vão a Choapas?”… outro município tomado pelo narcotráfico… “De ônibus”. “O que! É perigoso viajar de ônibus e, além disso, com baús. Vou levá-los. Meu motorista vai levá-los”. Era um motorista com uma caminhonete gigante, branca, com vidros blindados. Um motorista deste tamanho, assim: “eu os levo, sim, e vamos pela estrada. Vamos”. E “pá!”. Uma arma no meio. Disse: “estão falando dos bonecos, não é verdade?”. Já sabiam que íamos: “Vamos ver, abram!” E espelhos, revistando o veículo. Chegamos à praça. Colocaram música para que as crianças fossem à apresentação de bonecos.
Sharine: Não é na periferia? É no centro?
Lorenzo: No centro de um povoado, de um município. O diretor da casa de cultura disse: “obrigada por virem. É que aqui não há nada, mas vamos trazer público”. E foi de casa em casa: “Ouçam, venham”. Tocaram o sino da igreja: “venham, haverá teatro de bonecos”.
Daniel: Sim, as pessoas saíram e logo disseram: “há anos que não via pessoas na praça”. O diretor de cultura era um anestesista. A atitude com sua equipe: “venha para cá, vamos ver, não fique parado”. Um pouco de prepotência: “vamos jantar”. Muito boa pessoa conosco. E, nessa conversa, disse: “pois eu sou anestesista”. Eu disse: “E o que faz dirigindo o Departamento de Cultura?” Ah, o que acontece é que eu estive na campanha do prefeito e ele me disse: ‘que cargo você quer?’ Eu disse: ‘eu quero minhas férias’”. Veja, há um valor. Acredito que os bonecos e coisas assim. Então, dissemos: Veja, pois suas férias estão saindo caríssimas”. Como é possível? Evidentemente, são cúmplices. Ou seja, não é: “Algo grave está acontecendo”. Não, eles sabem e participam.
Lorenzo: “Ah, não há cultura aqui”. “Tragam o grupo Los Flamers”. “Quanto custa?” “Dois milhões”. “Aqui está, tragam”. Então, cultura é um grupo comercial que está na rádio e para o qual pagam dois milhões de pesos.
Ahtziri: É a reprodução, em grande medida, de toda essa ideia da narcocultura, dos musicais, no modo de vestir, de muitas coisas… como socializar e outras. Já se fala de uma narcocultura.
Lorenzo: E as infâncias estão rodeadas por isso. Em Veracruz ainda faz um pouco de frio. Mas estivemos em Sinaloa, em alguns municípios, fazendo apresentações com o circuito Monólogos e as crianças se aproximaram: “Eu quero deixar de ser pobre”. “Como deixar de ser pobre?”. “Para ter minha caminhonete”. “E estudar não?” “Para que? Você termina o segundo grau e lhe dão uma arma para que vigie um lugar. Pagam em dólares”. São jovens de 16 anos.
Sharine: O mesmo acontece no Brasil.
Lorenzo: O que posso lhe dizer?
Daniel: Em Sonora…
Ahtziri: Até o norte do país…
Daniel: Fomos a um programa de segurança pública, da Secretaria de Segurança. Foram policiais e foram por nós e iam de caminhonetes, com capuz e tudo.
Lorenzo: Os policiais nos levavam aos bonecos [risos].
Daniel: Então, ia conosco o comandante, como se fosse o chefe… É que não me lembro dos nomes, mas eram municípios em que há muitíssima violência. Ou seja, é muito difícil e os obrigam. Os jovens não têm escolha. Então, nos dizia: “queremos desenvolver projetos culturais em conjunto com a política. Estamos oferendo várias capacitações aos policiais, mostrando que são jovens, não são delinquentes. Então queremos que haja confiança, queremos protegê-los, não queremos vê-los como criminosos”. Estava mudando uma postura, uma política, dentro da polícia, e me pareceu fabuloso. O que acontece com isso? Há um momento você me perguntava sobre a política, as mudanças e tudo isso. Pois, lamentavelmente, mesmo que exista a lei, no final, é quem está aí. Ou seja, quem está aí?
Lorenzo: Aplicando a lei…
Daniel: Exatamente. O policial de que lhe falei, foi sorte que estivesse lá e que propusesse outras coisas e que redesenhasse, pois, se fosse outra pessoa, diria: “vamos ver”. “Vamos acabar com isso”, como acontece.
Lorenzo: Vimos feiras onde dão armas para as crianças para que tirem fotos. São visitas acadêmicas com os policiais, levam as patrulhas, as crianças estudaram as patrulhas. Dão a elas as armas. Uma criança com uma arma! Eu penso que há muito por fazer. Estamos perdendo, sinceramente e catastroficamente. Estamos perdendo o terreno. Sim, estamos perdendo muito terreno.
Sharine: Para o narcotráfico… Que triste.
Lorenzo: Se você for aos municípios e a outros lugares, verá que estamos perdendo terreno.
Sharine: Obrigada!